Se há alguns anos comprar roupas em brechós era sinônimo de passar horas revirando araras com peças desconexas entre si, hoje o hábito pode ser cultivado pelo celular e de forma bem mais direcionada. São vários os perfis de brechós nas redes sociais, principalmente no Instagram, que constroem uma identidade própria com peças selecionadas - e que têm conquistado as consumidoras gaúchas.
Aos 16 anos, Daniele Antunes fazia o trajeto de Viamão até o centro de Porto Alegre toda quarta-feira para entregar algumas peças de roupa vendidas após um tempo em desuso no armário. O desapego pessoal, que começou de forma despretensiosa com uma página no Instagram, tinha um objetivo: juntar dinheiro para a compra de uma câmera para fazer vídeos para o Youtube. Sempre muito ligada em moda, na época ela também mantinha um blog em que postava conteúdos sobre filmes, livros e brechós da Capital.
— Deu certo e, com o tempo, pessoas de outras regiões começaram a comprar. Comecei a enviar por correio e o brechó foi crescendo — conta ela.
Hoje, com 23, Daniele junta as paixões no Brechó Alternativo e Vintage, que tem mais de 100 mil seguidores nas redes sociais e vende garimpos vintage, como o nome já adianta. De Viamão, as peças são enviadas para todo o Brasil, mas ela garante que a maioria dos clientes segue sendo de Porto Alegre e Região Metropolitana. O diferencial da página fica por conta das referências pop - desde uma análise do estilo da atriz Winona Ryder nos anos 1980 até um post mostrando como imitar os looks das personagens do seriado Stranger Things, da Netflix.
— Gosto muito de unir moda com cinema e as postagens que mais fazem sucesso no Instagram do brechó são as imitando looks de filmes ou séries — explica. — Acho legal, pois não se vê só fotos de roupas o tempo todo, mas também conteúdos que podem ser interessantes.
Usando a irmã mais nova como modelo, Daniele garimpa as peças, separa os looks e faz as fotos. Para ela, a maior dificuldade do negócio é encontrar bons fornecedores.
— Em alguns lugares, precisamos vasculhar em montanhas de roupas até achar peças que estejam em bom estado e sigam o estilo do que vendemos. Às vezes, alguns lugares são escuros e de difícil acesso. É realmente um garimpo em busca de ouro — diz ela.
Após a escolha, as peças passam por um processo de higienização e customização. Algumas precisam ser costuradas, outras pedem novos botões e, às vezes, também é necessária uma lavagem específica para a retirada de manchas.
No inverno, as lãs ainda exigem um trabalho maior, com um aparelho chamado "papa bolinhas", para retirar os fiozinhos que ficam para fora do tecido, o que pode levar horas.
Todo esse trabalho de garimpo, customização e produção de conteúdo também faz parte do cotidiano dos bastidores de diversos brechós online de Porto Alegre. A seguir, confira uma curadoria com alguns dos mais relevantes:
Brechó da Mar
A porto-alegrense Marcela Teixeira dos Santos, 20 anos, está à frente do brechó desde junho de 2020. Assim como Daniele, iniciou o projeto como um desapego das próprias roupas (e as da mãe!). Com o tempo, tomou gosto pelo negócio e começou a garimpar mais peças. Para ela, o difícil é lidar com quem não valoriza a profissão.
— Acreditam que, por ser brechó, o valor máximo das peças deve ser R$ 20. Não entendem que nosso trabalho vai muito além de apenas garimpar — diz ela, ressaltando o tempo (e dinheiro) gasto em transporte, água, luz, produtos, produção e edição de fotos etc. — Entre todos esses processos, ainda temos que estar praticamente 24h no Instagram divulgando e interagindo. É bem cansativo, eu trabalho sozinha e muitas vezes me sinto esgotada.
Por outro lado, frisa que são várias as clientes e amigas que apoiam o brechó desde o início. Para Marcela, o diferencial do negócio fica por conta do seu carinho com as consumidoras.
— Dou o meu melhor para que a pessoa do outro lado da tela consiga se sentir bem recebida. Nossos pacotinhos são entregues com o maior cuidado — garante.
Brechó Las Manas
Rubiana Valim, 34 anos, e Amanda Valim Haack, 20, são as "manas" por trás do brechó. Desde 2018, se desfaziam de peças pessoais nas redes sociais e, posteriormente, começaram a participar de feiras locais como expositoras. Mas foi só no final de 2020 que decidiram que o "hobby que rendia um extra" poderia virar um negócio sério. Passaram por um rebranding e o antigo Brechó Express mudou de nome, de logo e ganhou um site. Elas lembram a importância do garimpo alinhado com o estilo da loja para o sucesso das vendas.
— Nossos clientes mais ou menos já sabem o que esperar e o que vão encontrar no nosso site — explicam.
Junto com a identidade, defendem que o atendimento é o que as destaca no mercado.
— A roupa passadinha, cheirosa, bem embalada, é só a materialização da nossa preocupação e carinho.
Mas, assim como todas as colegas do ramo entrevistadas para esta reportagem, também encontram dificuldades para dar conta de tantas demandas, desde a lavagem das peças até a implementação de conceitos de marketing.
— Estamos tendo que investir e aprender sobre um universo que não é a essência da nossa empresa, mas se faz necessário. Ou seja, não dá pra fazer só que a gente quer e gosta, como garimpar, montar looks e atender aos clientes, temos que dar conta de todo o resto também — explicam.
Brechó Barbarella
Letícia Merten, 26 anos, faz as entregas direto do seu endereço em Porto Alegre, na Avenida João Pessoa. O Barbarella Garimpos foi criado em 2018, inspirado no filme homônimo protagonizado por Jande Fonda. Assim como os anteriores, começou como um desapego pessoal e aos poucos cresceu para o negócio de hoje.
— É incrível ver quanto tempo já passou e quantas peças foram resgatadas — relembra Letícia. — Normalmente, (as peças) chegam em situações precárias e é lindo poder ver, depois de tudo, chegarem lindas e cheirosas na cliente. Dá uma satisfação enorme.
Por prezar pela sustentabilidade, ela utiliza sabão em pó vegano e biodegradável na lavagem das roupas. Para ela, o processo de curadoria das peças começa no garimpo, ao analisar as que têm potencial.
— Acredito que, ao longo desses quatro anos de brechó, eu consegui entender muito bem o que meu público procura, então eu faço de tudo para trazer as peças que eu sei que vão amar. Às vezes consigo até pensar na cliente que vai gostar de tal peça (risos) — conta.
Sobre as dificuldades, além do trabalho em várias frentes e a desvalorização, Letícia chama a atenção para a falta de bazares, problema que surgiu com a pandemia. Alguns foram fechados, outros estão há dois anos sem funcionar. Por isso, a procura pelos remanescentes aumentou, assim como o preço das peças e das embalagens.
— Lembro que em 2019 eu pagava R$ 9,90 pelo rolo grande de papel kraft, hoje está R$ 20. Uma unidade de caixa para envio, R$ 2,50… Tudo muito caro e isso dificulta — lamenta.
Por fim, reforça que uma dos seus diferencias é trabalhar com política de trocas e devoluções, o que não ocorre com frequência no universo dos brechós.
— A pessoa se sente mais à vontade e segura para comprar online comigo — garante.
Brechó do Grilo
Cindy Köhler Ody, 30 anos, sempre gostou muito de moda, mas se sentia distante do tema por não se identificar com as tendências. Com o mundo das peças de segunda mão, viu a possibilidade de poder "contar ao mundo quem é" por meio das roupas e sem ser dependente, exclusivamente, do que está na moda. Foi assim que, em 2018, surgiu o Brechó do Grilo, buscando "desconstruir ideias que foram dadas como certas".
— Quantas vezes nos privamos de usar o que mais gostamos por medo de julgamento? — questiona Cindy, que se identifica como uma pessoa não-binária.
No brechó, predomina a preocupação com a sustentabilidade. As embalagens têm zero plástico e é Cindy quem faz o sabão natural usado na lavagem das roupas.
— Além disso, me preocupo em entregar as peças prontíssimas para uso, sem necessidade de fazer qualquer ajuste quando chega na casa de clientes. Afinal de contas, acredito que esse seja o propósito de ter uma loja "com curadoria" — conclui.
*Colaborou Luísa Tessuto