Alexandre Herchcovitch não para. Há mais de três anos, o estilista paulistano, deixou a marca homônima que fundou em 1993 e que se tornou uma das mais famosas do país. Foi uma surpresa para a moda brasileira, mas isso o levou a outra direção na carreira e não reduziu seu ritmo de trabalho. Pelo contrário. Semanalmente, Herchcovitch, 48 anos, bate ponto em Parobé, cidade a cerca de 80 quilômetros de Porto Alegre, onde fica o centro de desenvolvimento da Vulcabras Azaleia, empresa de calçados e artigos esportivos.
Lá, vive quase como um nativo: toma chimarrão, come cuca e torrada com pão francês (ou cacetinho, como a gente diz por aqui) e registra tudo isso em seu feed no Instagram (no @alexandreherchcovitch), para seus mais de 300 mil seguidores.
Essa proximidade com o Estado se dá porque, desde maio de 2018, Herchcovitch atua como head de estilo do grupo, que tem a Olympikus como uma de suas principais marcas. Além, claro, da própria Azaleia, que acaba de lançar uma linha de calçados para a primavera/verão 2020 assinada por ele em parceria com a Pompéia.
Herchcovitch também é diretor criativo da À La Garçonne, marca de seu marido Fábio Souza, que até outro dia era um antiquário e hoje é uma das grifes mais pops do país, com uma veia street bem forte. A última coleção da grife foi apresentada em São Paulo no início deste mês, com referências ao terror do cinema de Hitchcock, ao estilo esportivo do motocross e com muito néon, tipo roupa de academia, tudo isso aliado a técnicas de alta-costura (veja algumas das peças na galeria de fotos abaixo):
Casado há mais de seis anos e pai dos meninos Fernando e Ben, Herchcovitch reservou um tempo na agenda concorrida para um papo com Donna, minutos antes de um talk aberto ao público durante a programação do Pompéia Fashion Weekend, que rolou na Capital no final de agosto. Na conversa, o estilista relembrou os 25 anos de carreira, falou sobre seus mais recentes desafios como empresário e comentou sobre sustentabilidade e diversidade na moda, temas cada vez mais em pauta e que ele já defende há alguns anos.
A seguir, leia os principais trechos do papo, mas antes conheça a trajetória do designer e saiba por que ele é reconhecido como um dos mais importantes nomes da moda no país.
Um apaixonado por moda desde criança
Herchcovitch ainda era criança quando observou a mãe, Regina, criar uma peça de roupa. Dona de um pequeno negócio de lingerie em uma comunidade judaica de São Paulo,
foi ela quem ensinou as primeiras lições de corte e costura ao filho.
Aos 11 anos, ele ganhou uma máquina de costura do pai, Benjamin. Ou seja, desde cedo teve apoio em casa e por isso foi fácil decidir a carreira que iria seguir:
Essas colaborações ou trabalhos em conjunto, entre um estilista e uma empresa, estão rendendo frutos positivos para o consumidor. Você consegue ter uma variedade maior de produtos à disposição e isso abre um canal muito importante para fabricantes e comerciantes atingirem outros públicos também.
HERCHCOVITCH
sobre collabs na moda
– Sempre soube que queria fazer roupa e é um privilégio para um pré-adolescente saber o que quer fazer da vida. Muita gente tem que escolher uma faculdade, às vezes é empurrado para uma que não acha interessante. É cruel ter que escolher o que vai fazer para o resto da vida com pouca idade, mas eu tive esse privilégio e continuo fazendo o que gosto e me divertindo.
O talento artístico, portanto, era evidente. Tanto que Herchcovitch iniciou o curso de Artes Plásticas, mas desistiu no primeiro ano para estudar Design de Moda na Faculdade Santa Marcelina, de São Paulo, pioneira nesta área no Brasil. Era 1990, década do boom das top models, e ele já confeccionava peças para amigos mais próximos. Foi nessa fase que surgiu a figura da caveira, que veio a se tornar sua marca registrada.
Três anos depois, no desfile de formatura, Herchcovitch mostrou a que veio: em plena escola católica, o formando de 22 anos com fama de underground da noite paulistana levou à passarela uma famosa drag queen vestindo túnica branca, semelhante a um traje de freira. Nas mãos, Marcia Pantera segurava dois terços, que respingavam tinta cor de sangue.
“As religiosas o chamaram de ‘uma má influência’ por usar ligações com a noite”, escreveu o jornalista Álvaro Machado sobre o episódio no livro 1:1 (de 2015, editado pela Cosac Naify, que reúne em uma série de entrevistas momentos da carreira do estilista).
A ousadia o levou a apresentar sua primeira coleção em um evento de moda já no ano seguinte: o Phytoervas Fashion, embrião do São Paulo Fashion Week (SPFW). Era o início da marca Herchcovitch; Alexandre.
Embora na vanguarda, Herchcovitch gosta de buscar referências no passado – e isso se reflete nas suas coleções.
– Além de fazer moda, eu consumo moda. E consumo roupa usada desde que comecei a comprar, na adolescência. Sempre dei preferência a comprar roupa usada, uma peça com marca do tempo, que fosse mais confortável e que já estivesse em outro estado de uso. Me inspiro em roupas de décadas passadas para criar novas. Em como elas eram feitas, que tipo de tecido que era usado, e isso tudo dá muito embasamento pro meu trabalho hoje.
Essa ressignificação de peças vintage vai ao encontro do assunto do momento: sustentabilidade. Herchcovitch está acostumado a reaproveitar tecidos de uma indústria conhecida pelo desperdício.
Em seu currículo, constam trabalhos marcantes e diversos, importante frisar: o estilista apresentou suas coleções em semanas de moda de Paris e Londres, abriu loja em Tóquio, criou os uniformes dos atletas nos Jogos Olímpicos e no Pan-americano, homenageou Walt Disney, Carmen Miranda, Zé do Caixão, Hello Kitty e Boy George, uma das maiores referências culturais de sua vida, criou uma coleção em tamanhos plus size, desenhou uniformes para funcionários do McDonald’s e fez até ponta em novela da Globo. Em agosto de 2016, uma de suas criações foi chamada de “lendária” pela Vogue América. Era o longo vestido dourado usado por Gisele Bündchen para cruzar o gramado do Maracanã ao som de Garota de Ipanema, na abertura da Olímpíada do Rio de Janeiro.
Do street à alfaiataria clássica, de caveira a flores, o estilista encontrou um jeito de chegar à massa e expandiu seu nome por meio de parcerias com outras empresas, criando produtos de decoração, roupas de cama, mesa e banho, óculos e por aí vai. Isso deu a oportunidade para que mais pessoas pudessem ter um produto com a assinatura de Herchcovitch de forma mais acessível.
– Sempre acreditei na junção de duas ou mais empresas para fazer um produto, porque acho que ninguém domina todas as expertises no negócio. Se eu não sou um bom fabricante de calçados, vou me unir a alguém que fabrica melhor que eu. Essas colaborações ou trabalhos em conjunto, entre um estilista e uma empresa, estão rendendo frutos positivos para o consumidor. Você consegue ter uma variedade maior de produtos à disposição, com valores distintos, inclusive, para se encontrar dentro da moda, e isso abre um canal muito importante para fabricantes e comerciantes atingirem outros públicos também.
“É a hora do consumidor escolher o que quer e não ser engolido por uma tendência”
Você tem tido uma aproximação bem forte com o Estado ultimamente. Como tem sido a sua rotina?
Eu já conhecia a região e a Capital e convivo demais com gente do Brasil inteiro, mas com gaúchos também e com o pessoal de Santa Catarina.De uma certa maneira, tanto aqui, quanto lá, tem muita empresa de moda, calçado, tecelagem.
E tem gostado da experiência?
Tem sido ótimo! Eu venho toda semana, faz um ano e meio que faço esse trabalho na Vulcabras. E estou gostando muito de trabalhar por aqui. A vida inteira eu fui de lá pra cá, e na verdade, estou acostumado, na boa.
No desfile da coleção de primavera/verão da Pompéia, em que você colaborou com o styling, vimos muita diversidade na passarela. Você considera isso quando monta um projeto?
Representar a diversidade sempre foi uma questão em meus trabalhos e discussões. A exclusão não é justa nem saudável. Na medida do possível, penso em diversificar. Quando posso incluo tamanhos pequenos e grandes em meus trabalhos. Gêneros e suas discussões sempre estiveram presentes em meu discurso. Nesse caso, na verdade, eu entrei pra editar o desfile quando ele já estava bem encaminhado. O casting já tinha sido feito. Mas mesmo se não tivesse essa diversidade, provavelmente eu ia procurar promover. Porque, ainda mais nesse trabalho que eu fiz com a Pompéia, que é muito democrático, que é uma roupa pra todo mundo, não tem como não ser diverso.
E você acha que as outras marcas estão olhando mais pra essa questão da diversidade também?
Na verdade, elas estão sendo obrigadas a olhar para isso, né? Porque hoje não tem como a gente ignorar (a diversidade) em nenhum setor, na moda muito menos. Ainda mais quando a gente fala da diversidade de corpos, de gênero. A moda, como fala de estética, também fala de corpo. Então não tem como ignorar.
Você surgiu na cena underground nos anos 1990 e se firmou como um dos principais estilistas do país. Passou pelo street style, pela alfaiataria, por linhas esportivas e de moda plus size, além de licenciamentos. Você se vê como um cara plural?
As marcas estão sendo obrigadas a olhar para a diversidade, né? Porque hoje não tem como a gente ignorar em nenhum setor, na moda muito menos.
Não é que eu faço uma coisa e deixo de fazer outra. Isso não designou estilos diferentes na minha carreira. São só vontades e oportunidades de trabalho que são diferentes. E eu continuo explorando tudo o que posso. Mas tudo isso faz parte de um grande guarda-chuva chamado moda, estilo, roupas, produtos. Quando vou para outras áreas, como TV e cinema, podemos pensar em pluralidade.
Quando você olha para trás, que balanço faz dessa carreira e onde você acha que mais acertou?
O maior acerto foi ter escolhido o rumo da minha vida em geral, incluindo a carreira de estilista. Até o momento tive a oportunidade de trabalhar naquilo que sempre gostei que é desenvolver produtos, imagem e negócios.
O que mais inspira você e de onde surgem suas referências criativas?
A minha própria profissão exige de mim um poder criativo grande, porque eu trabalho para várias empresas ao mesmo tempo e tenho que tratar de assuntos diversos, toda hora. Isso já faz com que meu cérebro pense dessa maneira mais criativa. Acho que a própria moda é uma grande fonte de inspiração. A maneira como as pessoas se vestem, por exemplo, já é uma grande ajuda para eu criar.
O que você acha do atual momento da moda brasileira? E o que mais mudou, na sua opinião, na criação e no comportamento de consumo de moda nas últimas décadas?
As mudanças de comportamento de consumo estão cada vez mais rápidas. Após a avalanche do fast fashion, fala-se de slow fashion e de roupas com mais qualidade e atemporais. A moda brasileira atualmente é bem segmentada, tem de tudo e para todos. É a hora do consumidor ter voz e escolher o que quer e não ser escolhido e engolido por uma tendência.
Você tem um envolvimento com a questão da moda sustentável há algum tempo, tema esse que vem cada vez mais sendo abordado. Tem a impressão de que as pessoas estão despertando a consciência para esse assunto? Ou ainda temos muito a avançar?
Muito a avançar. Estão ao mesmo tempo despertando consciência e ódio e descaso, sentimentos antagônicos. Tempos sem muita esperança.
Você acha que a moda sustentável é necessariamente cara?
Ela é cara, mas pode não ser. Mas para isso teria que haver uma mudança cultural. Eu trabalho em uma indústria, a da moda, que deixa muitas sobras. Fazer um tecido a partir de um material reciclado é possível. Mas se esse produto for mais consumido, o metro do tecido também fica mais barato. E assim por diante.
Uma das características que mais surgem quando se fala do seu nome é inovação ou transgressão. O que você acha de tendências de moda?
Necessárias para que as pessoas pertencerem a algum grupo, estarem na moda, atualizadas.
O que é mais desafiador: ser head de estilo ou empresário?
Ser head de estilo é ser empresário. A Vulcabras conta com minhas decisões certeiras para que seus negócios fluam. Não sou sócio, mas trabalho como se a empresa fosse minha também! Este é o segredo.
Pelo que você gostaria de ser lembrado?
Ah, não sei. Pelo bom humor, eu acho.
Collab da vez
A mais nova empreitada de Herchcovitch é uma coleção de sapatos produzida pela Azaleia em parceria com a Pompéia. Com influências urbanas e esportivas, as sandálias resgatam estampas camufladas e correntes, elementos que têm tudo a ver com o estilista.
Os modelos prezam pelo conforto e são confeccionados em EVA, material tecnológico que ganha espaço nos itens da Azaleia.