Nas fábulas infantis, elas são bruxas que escravizam e envenenam suas enteadas. Em dicionários como o Aurélio e Michaelis são, além de mulheres cujos cônjuges têm filhos, “más, incapazes de sentimentos afetuosos e amigáveis”, mesma definição apontada pelo Google quando se busca pelo termo “madrasta”.
Na vida real, são mulheres com tantos erros e acertos quanto aquelas que são mães, e, na maioria dos casos, se dão bem com seus enteados, garante o terapeuta de família José Ovidio Waldemar, diretor do Instituto da Família de Porto Alegre.
É o caso de Desiree Simon, 42 anos. Na sua história de amor com Mauricio Centeno, um mais um somou cinco. Quando os dois se reencontraram, quase 30 anos depois de terem sido colegas na escola, ambos estavam separados e com filhos. Ele é pai de Dora, 11 anos, e Theo, nove, e ela, de Caio, 12. Com o segundo casamento, realizado neste ano, Desiree se viu no papel de madrasta. Apesar de desafiadora, a administradora conta que a adaptação foi “tranquila”.
– Sempre quis ter mais filhos, Dora e Theo vieram para encher a casa. Mas não me sinto mãe deles, nossos papéis são muito bem definidos. Caio tem um pai incrível, e a dupla do Mauricio tem uma mãezona – afirma.
Ovidio recomenda que, depois de um novo relacionamento, os pais reservem momentos privativos com os filhos, sem o novo parceiro.
A prioridade, alerta, devem ser as necessidades das crianças, que, logo após o divórcio dos pais, costumam ter medo de perder espaço na vida do pai ou da mãe.
Apesar de ser motivo de alegria quando um novo casal se forma, é preciso lembrar que se trata de um momento difícil para os filhos. Hoje madrasta de dois meninos, a designer de eventos Mariana Camardelli já foi a enteada que teve de aprender a lidar com a nova namorada do pai. Educadora parental certificada pela Associação de Disciplina Positiva Brasil, ela também defende que se priorizem as demandas das crianças.
Há cinco anos, iniciou um relacionamento com Rodrigo Vieira da Cunha, que já era pai de Vicente e Augusto, 11 e 15 anos, respectivamente. Há dois anos, o casal teve Flora. Com a gravidez, chegaram também convites para grupos de acolhimento sobre amamentação, o parto e outros temas afins. Mariana percebeu, então, que não havia espaços semelhantes para se aconselhar sobre as inquietações que surgem com os enteados. Essa é uma das razões que a motivou a lançar o perfil do Instagram Somos Madrastas (@somos.madrastas) para reunir mulheres na mesma condição e criar um espaço em que elas possam trocar experiências. No dia 8 de dezembro, ela vai falar no TEDx Florianópolis sobre o tema.
Um dos desafios vividos pelas madrastas é tomar decisões em relação aos enteados, seja sobre aquele sorvete antes do almoço ou pintar o cabelo. Mariana costuma apostar na seguinte lógica:
– Eu decidiria isso por qualquer outra criança que estivesse sob os meus cuidados? Se sim, eu decido sobre os enteados também. Isso não significa que eles sejam qualquer criança pra mim, não nega o quanto eu os amo. Mas é um jeito de me ajudar a saber até onde posso ir.
Nos outros casos, a designer não hesita em falar com a mãe dos enteados, com quem também conversa sobre o que ela espera do seu papel como madrasta.
– Quem deve definir a função da madrasta são os envolvidos: pai, esposa, mãe e filhos, e não a Disney – diz, em referência às histórias de madrastas más representadas na ficção.