“Claudia Ohana vai à guerra, mas é Maria Claudia Carneiro Silva quem está ali na vida real”. É dessa maneira que a atriz carioca explica a dualidade que caracteriza sua personalidade. Com o nome de criação que usou até os 15 anos, continua existindo nos bastidores uma figura mais moleca e tranquila, que curte ficar em casa, meditar, cozinhar brigadeiro de panela e brincar com as cordas do violão e do ukulele.
Maria coexiste com a persona sex symbol e “força da natureza”, adjetivos que costumam ser usados para descrever Claudia Ohana. A atriz deixou marcas na história do cinema, teatro e novelas, com personagens em Vamp (1991), Tieta (1989) e A Próxima Vítima (1995), para citar algumas.
Atualmente, encara papéis na trama das 19h da Globo, Vai na Fé, e no musical Dom Quixote de Lugar Nenhum, cujo texto é assinado pelo ex-marido Ruy Guerra. Faz sentido o público estar acostumado à versão Ohana, mas nos relacionamentos, por exemplo, é a outra quem brilha.
– Tenho duas pessoas. Uma é a que tem poder, chega, faz e acontece. E tem também a que é calma e superfeminina. Então, se um cara achar que sou só a Claudia Ohana, não cola. Geralmente, namoro com quem gosta de Maria Claudia – afirma.
A musa de muitas gerações chegou aos 60 anos em fevereiro deste ano e continua sentindo-se bela, buscando beleza em tudo o que faz. Está em um processo de desenvolvimento pessoal e garante que não há energia para melancolia pelo que já passou:
– As pessoas me perguntam como é envelhecer, mas não sou nostálgica, do tipo “ah, minha pele quando tinha 30 e tal”. Sou mais “f*-se”. Não é que eu seja superbem-resolvida com tudo, mas, nesse caso, sou “cadê minha beleza de agora? É essa que quero!”.
Donna conversa com a artista via vídeo no início de uma tarde de junho, durante um intervalo do ensaio do musical. Entre uma mordida e outra de um almoço rápido, suas palavras não deixam dúvidas de que não está interessada em assumir uma postura mais pudica por conta da maturidade.
A sensualidade que marcou os ensaios da revista Playboy em 1985 e 2008 continua estampada, por exemplo, em imagens que publica no Instagram para 744 mil seguidores, encimando legendas como “Sim, me achando gostosa aos 60 anos”. Por outro lado, as paixões estão mudando. Está solteira, mas continua movida a paixão, sempre de olho em algum “objeto de desejo” – com menos frequência, já que a maturidade tornou-a mais criteriosa:
– Está difícil se apaixonar. Já era difícil aos 45, 50. Gosto muito da paixão, mas acontece que, quando você fica mais velha, vem a sabedoria, menos medo de ser quem é, e isso é uma delícia. E como já viveu e tem alguns “pré-conceitos”, nem todo mundo te encanta. Nem todo vinho é bom, nem toda cama é gostosa, nem toda comida é boa. Hoje em dia, não como qualquer coisa, não vou a qualquer festa. Vou se for realmente importante ou se estiver muito animada. E é claro que, assim, se apaixonar fica mais difícil.
A seguir, a atriz dá detalhes sobre carreira, bem-estar, paixão e sobre o que há de melhor em cada uma das suas versões.
Você é quem imaginou que seria aos 60 anos?
Não tinha ideia de que seria essa Claudia. Fazer 30 foi difícil, 50 também. Já os 60, foi “cara, não acredito”. Falo que tenho 60 com orgulho, mas sinto que tenho 30, porque me sinto muito jovem, sinceramente. Minha parte “velhinha” existe já há anos. Era aquela criança que gostava de ficar em casa. Sempre fui de aconchego.
E como é o seu lado mais jovem?
É uma loucura! Por exemplo, esses dias, (o ator) José Loreto me convidou para fazer um passeio de canoa havaiana. E fomos, com os amigos dele, às 8h. O mar batendo e me divertindo como criança. Tenho essa parte que gosta muito de rir, brincar, falar bobagem, me sacanear. Sou bem-humorada.
Os cabelos brancos são seus ou da personagem?
Acho muito legal mulher que assume o grisalho, mas gosto do meu cabelo escuro, não gosto de raiz branca. Até relutei quando a equipe da caracterização propôs que a personagem fosse grisalha. Minha vaidade gritou “Não!”, mas logo falei “Desculpa, vamos sim, vamos tentar”.
Dora é linda, mas é desprovida de narcisismo e isso está me ensinando muito, porque nós, atores, somos muito narcisistas. Chego lá e não estou me maquiando. Só fazem olheiras e uso essas mechas brancas de mega hair, que ficam demais. Também é bom, pois a beleza pode atrapalhar um pouco a atuação, vir em primeiro plano para quem assiste. Desprovida de narcisismo, você se aprofunda só na interpretação.
Como você lida com o valor que é colocado na sua beleza?
Quando comecei, minha beleza era mais forte do que qualquer coisa. Ainda mais que tenho uma beleza exótica. Mas gosto muito de me sentir bonita, do meu camarim belo, da mesa de almoço bela, de uma vista bela, de sair bela. Então, hoje, procuro o belo da minha idade. Não é vaidade, é sentir-se bem. E acho que a beleza só atrapalha quando você fica só em cima dela.
Consegue rir de si mesma?
Sou bem palhaça. O Ruy até falava assim: “Ninguém sabe que você é palhaça. Tem que mostrar esse lado nos trabalhos”, mas nunca havia tido oportunidade. E ele me conhece, fomos casados por três anos e nos separamos, mas continuamos juntos, viajando e nos vendo.
Agora, na peça, achei que ia fazer uma diaba toda de vermelho e sensual, que é onde costumo trabalhar, onde estão todos os meus personagens. Até que nosso diretor, Jorge Farjalla, falou: “Tira isso, pelo amor de Deus. Não é nada disso, não sensualiza. Você é um diabo baixinho, gordinho e que se ferra” (risos).
Aí, foi virando uma palhaçada. Ele foi puxando esse meu lado e me disse que tenho muito humor, que “sou para a comédia”. Justamente, aquilo que Ruy falava.
Como se sente sobre os ensaios sensuais que já fez?
Sou eu, entende? Gosto da sensualidade, do charme, do flerte, de piscar o olho, jogar o cabelo para o lado. Gosto de me sentir bela e de atrair, isso faz parte de mim. Não sou pudica, fui criada tomando banho nua na praia, com minha mãe e os amigos.
Não tenho o menor problema com meu corpo, mesmo nessa idade. Então, faz parte de mim. É claro que a sensualidade tem um limite, não dá para ficar sensualizando à toa o tempo todo. Mas a sensualidade é uma arma.
Ela lhe trouxe frutos?
Trouxe muitas coisas, sim. Inclusive, visões erradas sobre mim. Primeiro, porque as pessoas acham que sou forte, porque minhas personagens geralmente são. Todo mundo acha que sou ativa, mas sou mais passiva; que sou de mil homens, e não.
Na verdade, gosto de namorar a pessoa, ficar junto. E dificilmente sou a que toma a frente na paquera. Posso fazer charme e flertar, mas não dou o primeiro passo. Na personalidade, gosto da sensualidade, mas estou longe de ser a ativa, que ataca os homens, aquela mulher forte e resolvida.
Que sinais são “alertas vermelhos” em uma relação?
Um homem que começa a perguntar “quem está ligando” é tchau. Homem muito ciumento é tchau-tchau. O que me deixa insegura e faz com que fique ciumenta, tchau-tchau-tchau. Gosto de quem gosta de mim, sou assim. Mas também não precisa ficar estendendo tapete vermelho o tempo todo, que aí enjoo muito rápido. Joga às vezes, mas depois tira (risos).
E o que chama sua atenção?
No momento, estou interessada em uma pessoa, tenho um “objeto de desejo”. É muito louco, porque me pergunto: “Por que essa pessoa?”. Às vezes, é o jeito como fala, como olha, é o não-jogo. Adoro homem que não joga. Não gosto muito de narcisistas e egocêntricos.
Você já realizou muitos sonhos?
Realizei muitas coisas que sonhava e outras que nunca tinha imaginado, mas não me prendo ao passado. Dom Quixote fala de sonhos. É um texto sobre um velho que vai em busca de aventuras e, onde tem moinhos de vento, vê gigantes.
Acredito que, se você não tiver um sonho, está ferrado. Graças a Deus, tenho muitos, grandes e pequenos, mas são particulares.
Natasha, de Vamp, é uma de suas personagens mais lembradas. Já viveu algo tão louco depois dela?
Aquilo, para mim, era apenas um trabalho. Não, não “apenas”, porque juntava dança, canto e vampiros, então, foi incrível. Falamos bastante de Vamp, mas Eréndira (1983), meu primeiro filme com Ruy, é uma obra de arte num grau absurdo, tem Irene Papas, roteiro de Gabriel García Márques, tudo maravilhoso.
Não é toda hora que você tem uma Eréndira ou uma vampira roqueira, mas isso não quer dizer que não fica feliz com os outros personagens e novelas. É sobre estar feliz com o que você tem.
Você é mãe e avó. Como são essas duas versões?
Tenho sentido saudade demais deles. Sou uma avó mais galera, amiga, que está na pista. Fui mãe muito nova e acho que, ainda hoje, estou em evolução, vou melhorando. Quem não é mãe pensa “vou cuidar da criança até ela ter tal idade”, mas a gente tem um relacionamento para a vida inteira com o filho, e ele tem que ser visto.
Admiro muito minha filha, ela é muito inteligente e sábia, além de linda. Somos unidas, mas com conflitos, temos personalidades bem diferentes, apesar de nos parecermos fisicamente. Sou muito mais criança do que ela.
Mesmo em uma rotina de trabalho intensa, o que é indispensável em termos de autocuidado?
A base de tudo é comer e dormir bem, é o mais importante. Exercício físico faz bem para a alma e gosto, sempre fiz ginástica ou dança. Vou ao dermatologista, passo cremes e bebo água, mas agora estou evoluindo para um ritual matinal de desenvolvimento pessoal.
Nas últimas quatro semanas, botei na cabeça que toda manhã tenho que meditar em silêncio por, pelo menos, 10 minutos e também ler ao menos uma página de um livro que me instrua em uma nova área. Aí toco cinco minutos de violão ou ukulele e faço 10 minutos de abdominal, agachamento e alongamento, mesmo que vá ter tempo de malhar naquele dia.
Depois, faço um exercício de frases motivacionais, tipo “você consegue”, “você pode”, “você quer tal coisa”, e é incrível como, falando em voz alta, você vai descobrindo as coisas que quer desenvolver, para onde quer crescer. E quero crescer para ser uma pessoa melhor.
Você é disciplinada?
Sim, porque são coisas que me dão prazer. Meu grande foco é felicidade e saúde, porque sem saúde fica difícil. Mas, principalmente, felicidade. É incrível e é uma opção. Juro para vocês que é. Tem como escolher ser feliz.