Thelma Assis saiu vencedora do Big Brother Brasil em abril de 2020. Ficou quase cem dias confinada no maior reality show do país, levou R$ 1,5 milhão para casa e ainda conquistou uma legião de fãs. E não parou mais: vencer a disputa marcou o início de um ano de sucesso para a médica paulista.
Diferente de outros campeões do BBB, Thelminha se consolidou como uma das mulheres de maior visibilidade do Brasil após o programa – só no Instagram, são seis milhões de seguidores. Lançou mão de sua história de superação para quebrar tabus sobre a adoção, engajou-se no combate ao racismo e fez parcerias com marcas de beleza que prezam pela diversidade – incluindo o título de embaixadora da L’Oréal Paris. Ainda ganhou um quadro no É de Casa, da Globo, e está à frente do Triangulando, atração transmitida em seu canal no YouTube e focada em entrevistas.
Em tempos de pandemia, a voz de Thelma, que é médica anestesiologista, também se tornou um reforço para ratificar a necessidade do uso de máscara, do álcool gel e do distanciamento social. Apesar dos cuidados extremos, ela foi surpreendida com um positivo para covid-19 no fim de novembro. Quando conversou com Donna, por telefone, estava no fim da recuperação, parando volta e meia para tossir e recuperar o fôlego.
Confira um bate-papo com Thelma, uma das mulheres do ano:
Ficou assustada ao testar positivo para covid-19 neste fim de ano mesmo com todos os cuidados?
Apesar de ter me cuidado bastante, é algo imprevisível e mostra o quanto temos de nos cuidar sempre. Estou bem, me encaminhando para o 100%. Tive covid-19 com sintomas e ainda sinto um pouco de falta de ar quando me esforço muito. Cada organismo reage de uma forma a essa doença. Então, tive medo e me cuidei muito.
Você é médica e se tornou uma referência em diferentes pautas após o BBB. Imaginou que ocuparia esse lugar de apoio e informação?
O médico tem esse papel de orientação, de comunicação, não teria como não utilizar a visibilidade que tive pós-reality para orientar as pessoas. Fico muito feliz de ser essa médica que as pessoas conseguem ter empatia e ouvir o que tenho a dizer. Uma vez que tomei consciência de que poderia usar minha imagem dessa forma, comecei a usar. E tem dado certo.
Considera que 2020 foi o seu grande ano?
Sempre fui muito focada e bem objetiva em perseguir meus sonhos. Com muita dificuldade, fui alcançando todos eles. Mas, assim, eram sonhos mais demorados (risos). Neste ano, em 12 meses, minha vida deu um duplo twist carpado (salto de ginástica artística). É a prova de que não devemos desistir.
Este também foi um ano importante na mobilização antirracista pelo mundo.
No reality show, falei que não tinha um discurso antirracista bem formulado. Meu discurso é baseado no que vivi, nas minhas experiências. Inúmeras vezes nesses meus 36 anos deparei com situações racistas, assim como machistas. Chega um momento em que as pessoas falam: "basta, não aguentamos mais". E ainda bem que esse ano foi assim. Que cada vez mais essa pauta antirracista não seja só uma hashtag de internet. É muito triste acordar, olhar para o noticiário e ver que, mais uma vez, uma pessoa negra entrou para as estatísticas pelo fato de ser negra. É importante que as pessoas brancas entendam a importância de falar sobre isso para que deixe de acontecer.
Após sair do BBB, você foi alvo de ofensas racistas feitas por uma minoria do público. Esperava passar por isso?
Se eu esperava? É o que vivi ao longo da minha vida. Quando me exponho, isso aumenta. No primeiro momento, pensei que não ia deixar isso me atingir, sou maior e mais forte do que isso. Só que caiu a ficha do que é representatividade. É saber também que uma situação de racismo que sofri nas redes sociais pode não atingir a mim, mas outras pessoas negras que se identificam comigo. Por eles briguei, saí processando todo mundo que cometeu crime de injúria racial contra mim. Uma coisa era a Thelma, anônima, que batia de frente com as pessoas quando passava por isso. A partir do momento que essa Thelma ganha uma visibilidade, não quero só ser a representatividade que sai na capa da revista.
Sua participação especial como apresentadora do É de Casa, da Globo, repercutiu nas redes sociais, principalmente o momento em que você, Manoel Soares e Maju Coutinho ficam lado a lado no programa.
Esse ano trabalhei muito nessa percepção, de utilizar minha voz nesse sentido. Que as pessoas negras não estão ali só para falar de racismo, podem ocupar todos os espaços. Você tem que ter pessoas como porta-voz, como a Maju Coutinho, em um jornal importante da Globo, mas você também tem que ter mulheres negras em cargos de liderança de empresas. Naquele momento meu coração estava a mil. Meu sonho é que um dia isso seja uma coisa normal.
Você saiu do anonimato para uma vida de influenciadora com mais de seis milhões de seguidores no Instagram. Essa transição foi desafiadora?
Acho que quem se inscreve em um reality show não tem muito problema com exposição (risos). Mas tenho limites, só exponho até onde me sinto bem. Tenho noção da responsabilidade de se expor na rede social do ponto de vista de ser formadora de opinião. Tenho preocupação de mostrar a realidade, existe uma falsa percepção de que a televisão é um conto de fadas. A vida é de altos e baixos para todos.
E a medicina? Está nos planos voltar a atuar na área?
Quero retomar, sim. Estou pensando em outros projetos, de repente cada vez mais exercer uma medicina assistencialista, humanizada, partir para esse lado de prestar ajuda a quem precisa. Não exatamente a rotina que tinha antes.
Você também fez parcerias com grifes e virou embaixadora de diferentes marcas. O mercado da moda e da beleza está mais democrático?
É algo que já deveria ter acontecido para ontem. Passei pela transição capilar há mais ou menos cinco anos e não conseguia ter opções de produtos para cabelos crespos e cacheados como tenho hoje. A mesma coisa a maquiagem. Moramos em um país onde mais de 50% da população é negra. Nada mais justo que essas pessoas tenham produtos para elas. Muitas vezes, era apenas um tom de base, como se todas as mulheres negras tivessem o mesmo tom de pele. Agora, as marcas entenderam toda a diversidade que existe.
O que você achou sobre a maior representatividade de mulheres negras na última eleição?
É aquela frase da Angela Davis: "Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela". A gente precisa se sentir representada em todos os espaços, e isso se aplica à política também. Temos ainda um sistema machista, e precisamos exercer a sororidade também na política. Só uma mulher estando ali para poder entender quais são as nossas pautas e prioridades. Para as pessoas estarem lá, elas foram eleitas. Nossa maior ferramenta é o voto.
Você é adotada e sempre falou abertamente sobre o tema. Ainda é preciso quebrar tabus sobre adoção?
Acho que todos os tabus que puder quebrar, vou quebrar. O quanto de estatística não teve que quebrar uma menina negra como eu? A minha história ter dado certo, da minha mãe ter me adotado aos três dias de vida, ter me dado amor e carinho, que é o que a criança mais precisa, independentemente de condição financeira. Já dei os primeiros passos para adotar também. Em tempos de pandemia, demora até conseguir reunir documentos, entrar na Vara na Infância, mas já fiz meu cadastro pela internet. Como pessoa pública, vou falar abertamente sobre isso. É a pauta que mais me emociona e me comove. A minha vida poderia ter sido completamente diferente se eu não tivesse tido essa família que me amou, criou e orientou.
Quais os seus planos traçados para 2021?
Tenho vários projetos, mas é difícil planejar tudo com datas em razão da pandemia. Quero continuar como apresentadora, vou voltar com a segunda temporada do Triangulando (programa em seu canal no YouTube). Quem sabe um livro, já que gosto tanto de compartilhar com as pessoas.