A posse dos deputados estaduais de Santa Catarina repercutiu na internet por um motivo inusitado: o macacão vermelho escolhido pela deputada Ana Paula dos Santos (PDT). Conhecida como Paulinha, a ex-prefeita de Bombinhas por dois mandatos consecutivos foi alvo de ataques nas redes sociais por pessoas que consideraram a escolha inadequada para o momento.
Diante da polêmica, conversamos com quatro consultoras de moda para levantar a discussão: qual o limite do dress code? Até onde vai a liberdade de estilo diante dos códigos de vestimenta de ambientes profissionais?
Já de cara, a consultora de estilo Ana Carrard faz uma ressalva, lembrando que o dress code da Assembleia Legislativa de Santa Catarina determina que deputados, servidores e jornalistas credenciados usem “traje passeio completo”:
– Traje de passeio completo não é roupa de trabalho, por mais formal que seja o ambiente. A rigor, seriam vestidos curtos ou longos, de tecidos finos como seda e organza, com brilhos, fendas e transparências. Normalmente, é o tipo de roupa usada em casamentos, por exemplo. Na escala do dress code, está apenas um andar abaixo do black tie.
Confira as opiniões das consultoras:
"A roupa foi usada na posse, não para trabalhar num dia normal"
"São duas questões diferentes. A primeira: você não pode questionar a competência da deputada, a capacidade dela de exercer o cargo. E a roupa foi usada na posse, ela não foi com esse macacão trabalhar num dia normal.
Sempre falo que uma pessoa bem vestida é uma pessoa que está adequada para a situação. Acho, sim, que ela estava adequada para a situação, era a posse, é um decote mais ousada, que aí depende do gosto e do estilo da mulher. Para trabalhar, não acho que seja um decote adequado, e temos de lembrar que existem regras. A própria Assembleia anunciou que não tinha problema, que ela não feriu o código, é isso que importa.
É muito triste: às vezes, a gente tem que deixar a moda de lado e o desejo de estar com a roupa de que mais gosta para pensar o que significa essa reação violenta das pessoas com relação à roupa dela. Como consultora de moda, prefiro não me ater tanto se eu achei a roupa bonita ou elegante, e, sim, ao que significa essa reação contrária a roupa que ela escolheu para assumir o lugar como deputada."
Roberta Weber, stylist e colunista de Donna
"A roupa fala e, ás vezes, pode passar um recado errado"
"Primeiramente, acho triste que uma pessoa que tem um trabalho efetivo, seja julgada pelas roupas que veste. A gente deveria poder vestir o que está a fim, sem que aquilo representasse algo a mais. Só que existem certos ambientes, principalmente os profissionais, onde há algumas regras de vestimentas. E há dois tipos de trabalhos: o mais criativo, despojado, que permite mais liberdade na hora de vestir, e o mais convencional, formal, que pede um pouco mais de atenção a alguns detalhes, como uma grande empresa ou uma Assembleia Legislativa. O dress code existe porque a roupa fala também e, infelizmente, às vezes pode passar um recado errado. Então, há de se ter certa cuidado com o que vestir esteja de acordo com o ambiente e com o que você está fazendo lá, evitando decotes exagerados, roupas coladas, microcomprimentos.
Talvez o equívoco da deputada tenha sido o excesso de informação. O fato de ela escolher uma cor vibrante, o vermelho, em uma roupa bem decotada soma dois fatores que não são comuns a esses ambientes. Ela poderia, por exemplo, ter usado um macacão, ter um decote em V, mas ser um tom mais escuro.
Acho bem complicado, hoje em dia, ficarmos ditando regras. Mas existem certas convenções que precisamos respeitar. A melhor amiga de qualquer mulher no trabalho são as peças de alfaiataria, atualizadas com as modelagens e as cores da temporada: isso deixa a gente bem contemporânea, requintada, elegante e apta a qualquer ambiente, inclusive os convencionais."
Pati Pontalti, jornalista de moda e colunista de Donna
"É complicado ignorar totalmente as regras de dress code"
"Talvez exista um equívoco sobre a denominação dos trajes por parte da Assembleia de Santa Catarina. Então, vale considerar o dress code recorrente no Plenário, que é o traje passeio: roupas formais e elegantes, como vestidos médios, macacões e tailleurs, por exemplo. Essas regras são superantigas e se atualizaram pouco. É importante flexibilizá-las, como forma de evolução social e cultural – e até em função das altas temperaturas – , mas é complicado ignorá-las totalmente.
Sobre a deputada, acho que esse decote pode fazer sentido se for o estilo pessoal, se ela é uma pessoa que se veste assim, que tem um estilo mais sexy. Mas não naquele ambiente, tomando posse de um cargo público, que está ocupando para prestar um serviço à comunidade. No momento em que ela chama mais atenção pela roupa que está usando do que pelo que está fazendo ou propondo, acho que erra na escolha.
Utopicamente, acharia incrível que todo mundo pudesse usar o que quisesse, mas, infelizmente, isso não existe. Talvez essa repercussão seja importante justamente para repensarmos as questões de dress code: promover uma flexibilização e discutir o assunto."
Ana Carrard, stylist
"As pessoas têm que parar se sexualizar tudo"
"As pessoas apontam demais o dedo, e a moda tem esse problema. Cria regras e deixa as pessoas com medo de usar o que gostariam. Elas perdem a coragem, perdem a vontade, e isso prejudica muito a autoestima. Porque, se eu quero usar uma coisa, mesmo que não vá me valorizar, mesmo que todo mundo vá odiar, mas eu acho que é divertido, legal, estiloso, deveria ter este direito, independentemente da opinião dos outros. E a moda sempre fez muitos carimbos de certo e errado, as pessoas acabam sujeitas a isso. Especialmente as mulheres, porque nós somos atingidas dessa forma por nossas roupas pela sociedade patriarcal que transforma nosso corpo numa propriedade pública, em que todo mundo tem o direito de opinar sobre. O discurso é de que estão todos preocupados porque ela está se expondo demais, quando, na verdade, não tem ninguém preocupado com a exposição do corpo dela e, sim, em terem o poder sobre o corpo dela.
Na minha opinião, o que tem que ser revisto é o comportamento das pessoas e a visão delas em relação ao corpo alheio quando. As pessoas têm que parar de sexualizar tudo, porque é só um corpo. Talvez a gente devesse sair mais assim para entenderem que é só um corpo e que ele não é de mais ninguém.
E também, é 2019! O ambiente formal, público, como o da Assembleia, por exemplo, possui regras que não fazem sentido. Os homens não deveriam nem ter que se vestir dessa forma ou de qualquer forma. Eles, de terno, também são prejudicados e nem percebem. As regras deveriam ser flexibilizadas porque estamos no Brasil, aqui as coisas são diferentes e o clima é diferente. Acho que vai levar muitas décadas para se desconstruir, talvez nunca se desconstrua, mas, de qualquer forma,as pessoas têm que se preocupar com outras coisas do que com a roupa da mulher.
Esta é minha opinião: é mais importante saber quem ela é, o que ela fez, se está fazendo uma política interessante, se é competente. Porque, quando se trata de homens, as coisas que eles fazem sempre são mais importantes do que as roupas que estão vestindo. Já, com as mulheres, o que elas estão vestindo são sempre observadas antes do que fizeram, do que ela são e do que representam. "
Gabriela Casartelli, jornalista, stylist e produtora de moda