Primeiro, foram os telefonemas: “Como faço para participar da sessão de autógrafos de Gisele Bündchen?”. Depois, a fila que despontava antes mesmo de a Livraria Cultura abrir, na última quarta-feira, dia 7: dezenas de pessoas esperavam à porta para garantir uma das 150 senhas e ter a chance de breves instantes e uma assinatura de próprio punho da übermodel no Estado onde ela nasceu e cresceu.
Mas o encontro marcado para este domingo, 11 de novembro, das 16h às 18h, não é apenas com a top que fez história na moda, com números impressionantes como 1,2 mil capas de revista e 500 desfiles em 20 anos de carreira. Estará lá, de caneta em punho, uma das mulheres mais lindas e celebradas do mundo, que a gente se acostumou a ver nas passarelas e nos tapetes vermelhos com seu corpo, rosto e cabelos perfeitos.
Mas não só ela. Os 150 sortudos que terão a chance de conhecê-la ao vivo e levar para casa um exemplar do recém-lançado livro Aprendizados autografado estarão também diante de uma mulher de 38 anos disposta a mostrar o que há, de fato, por trás dessa imagem idealizada.
Neste relato autobiográfico pontuado com reflexões, ela fala da Gise, a garota que saiu de Horizontina aos 14 anos para tentar a vida de modelo em São Paulo. E que depois ganhou o mundo, enfrentando as inseguranças da idade, os desafios de uma profissão em que ser julgada faz parte da pacote e o sucesso que trouxe também uma rotina exaustiva de trabalho e um constante fazer e refazer de malas para a próxima viagem. Também aborda abertamente como foi enfrentar os ataques de pânico que, em certo momento, a fizeram pensar que “seria mais fácil simplesmente pular” do apartamento onde vivia em
Nova York.
“Permitir a mim mesma me abrir e mostrar meu lado mais vulnerável – não ela, mas eu, Gisele – é bem assustador. Ao mesmo tempo, acredite em mim: nada é mais estranho do que ser o objeto das projeções de outras pessoas. Ser conhecida e ao mesmo tempo desconhecida já não me parece certo”, escreve a top na introdução de Aprendizados.
Com o livro, Gisele quer inspirar outras pessoas a partir de tudo o que aprendeu na prática e na marra em 38 anos de uma vida muito intensa. Desde a importância de reservar tempo para si mesma, com direito à meditação e a uma alimentação mais saudável e natural, ao valor da disciplina, que ditava a rotina das seis filhas da família Bündchen e foi determinante na carreira da top que jamais se atrasou para um trabalho e nunca reclamava de nada. Quem fala nas 238 páginas é a Gisele de calça jeans e pé no chão, não a capa de revista.
– Tem sido uma experiência libertadora. Parar, refletir e poder falar sobre assuntos tão profundos e que me marcaram tanto ajudou a curar sentimentos que nem sabia que precisavam ser curados – afirma Gisele, em entrevista por e-mail à Revista Donna. – Minha intenção com o livro foi dividir as lições que me ajudaram na minha caminhada pois, quem sabe, pudessem ajudar outras pessoas também. Já recebi inúmeras mensagens de agradecimento por dividir minhas experiências. Muitas pessoas já passaram por situações parecidas ou se identificam com alguns desses aprendizados. Então, fico feliz pois o livro está cumprindo o seu papel.
Na entrevista a seguir, Gisele fala sobre momentos difíceis por que passou, o apego às irmãs, a relação com a fama e a vida em família que leva em Boston com o marido, o jogador de futebol americano Tom Brady, e os filhos Benjamin, oito anos, e Vivian, cinco.
Como foi a experiência de rever a própria trajetória para escrever o livro? Há episódios ou questões que você finalmente conseguiu compreender melhor?
Foi muito interessante poder resgatar momentos que foram desafiadores para mim, refletir a respeito e compreender como foram importantes na minha jornada. Quando a gente está passando por alguma dificuldade, e estamos no meio da tormenta, é mais difícil entender o significado daquilo no momento, mas, anos depois, consigo ver com clareza que todos esses períodos difíceis me fizeram crescer, amadurecer e me tornar a pessoa que sou hoje. A Gisele mais nova era focada, destemida, mas também não tinha muita noção dos impactos de levar uma vida tão acelerada. A maturidade e os percalços no caminho me ajudaram a entender que precisava parar e olhar para dentro de mim mesma.
Quem acompanha sua carreira desde os anos 1990 sempre teve a imagem de uma Gisele bem-sucedida, poderosa. Mas, no livro, você relata justamente como teve momentos difíceis ao longo dessa jornada, como as crises de ansiedade, a exaustão por excesso de trabalho, a solidão de uma garota vivendo longe da família. Como é esse desafio de enfrentar dificuldades e, ao mesmo tempo, lidar com uma imagem pública idealizada?
Comecei minha carreira com 14 anos. Era muito jovem e ainda não tinha um forte senso de identidade. Queria simplesmente trabalhar, dar o meu melhor e ser aceita. Mas, quando me tornei uma pessoa pública, foi muito difícil lidar com toda a pressão e julgamento. Acho que esqueciam que eu era ainda uma menina e que estava ali aprendendo e dando o meu melhor. Para me preservar, sempre fui uma pessoa discreta em relação à minha vida pessoal. Mas é como aquele velho ditado, a grama do vizinho sempre parece mais verde do que a sua. As pessoas têm a impressão de que, por você ter alcançado uma certa posição de sucesso, sua vida é perfeita e você não tem problemas. Mas somos todos humanos, todos temos nossos medos e nossas dificuldades, coisas que viemos aprender nesta vida. Acredito que, quanto mais nos conhecermos e trabalharmos em nós mesmos, mais fácil será compreender qual nossa missão aqui e mais felizes seremos.
No livro, você relata que não se sentia segura da própria aparência. Chega a dizer que não importa quão bem-sucedida uma pessoa seja, os julgamentos e a autoimagem da infância e da adolescência sempre deixam marcas. Em que medida aquela adolescente mais alta do que o resto da turma, que usava duas calças para parecer menos magra, lhe marcou?
Acredito que alguns sentimentos que temos quando mais jovens acabam permanecendo com a gente de alguma maneira e influenciam na forma como nos posicionamos na vida. Logo que entrei no mundo da moda, não me senti mais um peixe fora d’água, pois todas as meninas eram altas e magras. Parecia ter encontrado um lugar onde me enquadrava, mas o que eu não sabia era que haveria outros tipos de julgamentos, afinal, este é um meio muito baseado nas aparências. Essas inseguranças todas só fizeram com que eu trabalhasse e me dedicasse mais para mostrar meu trabalho e meu valor. De certa forma, isto me impacta até hoje, pois estou sempre tentando me provar, o que por um lado é positivo, pois me estimula a sempre dar o meu melhor.
Você fala sobre como foi marcante em sua vida vir de uma família com muitas irmãs – e ser gêmea de uma delas. Em que medida isso moldou seu jeito de ser e sua forma de encarar o mundo?
Acredito que isso tenha influenciado de maneira geral a forma de encarar muitas coisas na minha vida. Quando você cresce em uma família grande, aprende desde cedo a compartilhar, a negociar, trabalhar em conjunto e também a se virar e se defender sozinha. Acaba ficando mais independente e vai aprendendo a conquistar o seu espaço. Mas o mais incrível disso tudo é saber que sempre tem alguém para conversar e te apoiar. Sou muito grata por minha família.
Há alguns lugares-chave na sua trajetória: Horizontina, a cidade onde nasceu e passou a infância mais solta, ao ar livre; São Paulo, onde você começou sua vida independente; Nova York, onde você amadureceu e despontou para a fama, e Boston onde você criou seu lar, com sua família. Como cada uma dessas cidades marcou você?
Tenho boas memórias de cada um dos lugares onde vivi e passei momentos da minha vida. Todos eles me marcaram de formas diferentes. Do interior trago a sensação de liberdade da vida pacata e o amor pela natureza, que foi muito importante para mim. Nas cidades grandes como São Paulo e Nova York foi onde aprendi a me virar, cresci muito e estabeleci outro ritmo de vida. Já em Boston, pude resgatar o sentimento de uma vida um pouco mais sossegada, mais conectada à natureza e voltada para a família. Sempre tive facilidade de me adaptar em qualquer lugar onde morei. Eu simplesmente entrava no ritmo daquele lugar e me ajustava ao novo momento da minha vida. Nunca fui apegada a lugares, vivo intensamente cada experiência, mas me sinto livre para poder me mover para onde a vida me levar.
Qual a relação de seus filhos com sua cidade-natal? E com os hábitos e as culturas brasileira e gaúcha?
Estou sempre tentando proporcionar a eles algumas vivências que tive na minha infância, contato com a natureza, com os animais, coisas que me marcaram e também me fizeram valorizar mais o nosso meio ambiente e as diferentes formas de vida. Além disso, em casa, cultivamos vários hábitos da cultura gaúcha e brasileira, não só a comida, a música, a língua, o chimarrão, mas o jeito de ser, caloroso e receptivo.
No livro você comenta que antecipou os planos de ter filhos para que Jack, o mais velho de Tom Brady, tivesse irmãos da mesma faixa etária. E de como seus dias e rotinas são planejados e organizados para ter tempo para as crianças. Quais as mudanças mais significativas na sua vida com a maternidade?
A primeira mudança que acontece com a maternidade é que o seu tempo não é mais só seu. Boa parte dele é destinada aos seus filhos e sua família, muitas vezes você acaba esquecendo de você. Por isso, acho tão importante organizar uma agenda para encaixar na rotina momentos para recarregar as energias. Pois só assim posso dar o meu melhor para os meus filhos e todos ao meu redor. Quando me tornei mãe, descobri que poderia fazer muito mais do que imaginava, me desdobro em mil para poder dar conta da família, trabalho e não deixar de lado meus sonhos e desejos pessoais. Também acho que cresci como ser humano, quero ser uma pessoa melhor e trabalhar em minhas dificuldades, pois sei que sou o espelho para os meus filhos. A maternidade é realmente transformadora.
Você compartilha no livro alguns de seus hábitos para ter uma vida mais saudável e em equilíbrio. Comenta, inclusive, como muitas pessoas têm curiosidade sobre sua alimentação. E você parece realmente ter sucesso no que muitas mulheres buscam: ter uma dieta saudável, que seus filhos parecem compartilhar com prazer. Qual a importância de seguir uma dieta tão cuidadosa para você? E qual o segredo para atrair as crianças?
Manter uma alimentação saudável não é algo fácil, requer esforço e disciplina. Mas depois que você consegue inserir na sua rotina, vai se tornando algo natural. Para mim a mudança de alimentação foi fundamental para que eu me sentisse melhor, mais leve, com mais energia, mais saúde e mais clareza mental. Os meus filhos acabaram seguindo uma alimentação mais saudável naturalmente. Quando você apresenta os alimentos desde cedo, eles se acostumam e gostam daquilo, pois é o que conhecem. Claro que, quando entram na idade escolar, vão provar de tudo, mas aí eles já têm um paladar formado, o que ajuda a manter os alimentos saudáveis na rotina. E as guloseimas ficam só para de vez em quando.
Você é uma das modelos mais famosas da história da moda, e seu marido, um ídolo do futebol americano. E relata situações em que seus filhos começam a deparar com o fato de terem pais tão conhecidos. Como vocês lidam com isso na prática em relação às crianças?
Ensinamos a eles que não somos mais especiais que ninguém, mas que por nosso trabalho ser mais público, a nossa família acaba tendo mais visibilidade. Lidar com tanta atenção e também com julgamentos de alguns coleguinhas não foi fácil, mas hoje eles já estão um pouco mais acostumados. Vivemos uma vida tranquila nos subúrbios de Boston, somos caseiros e gostamos de ficar em casa sempre que podemos, aproveitando ao máximo o tempo em família. Ensinamos aos nossos filhos que cada um de nós é singular e que todos temos algo especial para contribuir com o mundo.
Você lançou um livro sobre tudo o que aprendeu em 38 anos. E agora, o que espera do futuro?
Rezo para que Deus continue dando saúde para mim e toda minha família. Para que eu possa continuar aprendendo, expandindo e contribuindo da melhor maneira possível. Que possa continuar vivendo cada novo ciclo de minha vida com muita presença, propósito e alegria.