Meghan e a mãe. Foto: AFP Meghan e o pai. Foto: Reprodução
Luiz Zini Pires
Filha de mãe negra, divorciada, norte-americana, atriz. Plebeia. My God.
Nascida em Los Angeles, da união de uma assistente social afroamericana e de um diretor de cinema branco, Meghan Markle não era o que a velha família real imaginava no desenho em P&B da sua corte no começo do século 21.
É, porém, o rosto maquiado e colorido da fase contemporânea da coroa. A sociedade muda à velocidade de um WhatsApp. A monarquia, se ficar presa aos velhos castelos, só encantará os turistas em um futuro muito próximo. Não adianta os fantasmas arrastarem correntes nas masmorras.
A partir do casamento marcado para este sábado, Meghan assumirá um papel crucial no roteiro da rainha Elizabeth II, sempre longe do trono. Se você quiser saber um pouco mais da história da soberana, acesse a Netflix e navegue em The Crown, a esplêndida série escrita por Peter Morgan – com certos exageros, claro, é ficção – sobre a realeza britânica, centrada na sua líder, coroada em 1953.
É um perfeito aquecimento para a nova era, os anos da coadjuvante Meghan Markle.
Pela primeira vez em séculos, os britânicos (e o mundo mediatizado) conseguem encontrar dois casais apaixonados no coração da realeza, que custa mais de R$ 1,5 bilhão em impostos todos os anos. William, o futuro rei, e Kate, já com três filhos, e agora Meghan e Henry, conhecido como Harry. Casamento, nesse meio, também se dá (muito) por interesse. A união entre Charles e Diana é uma versão inglesa do clássico sueco Cenas de um Casamento (1973). Sempre há um(a) terceiro(a) na relação a dois. Peter Morgan poderia escrever os diálogos.
Henry, o caçula da família, comoveu o mundo em agosto de 1997, ao caminhar, solitário, atrás do ataúde da mãe em parte do lento e arrepiante cortejo fúnebre que levou dois milhões de pessoas às ruas estreitas de Londres. Ninguém esquece a cena, o pobre jovem príncipe, mas raros lembram hoje o comportamento dele da década passada: posando nu em festas de 24 horas ininterruptas em hotéis em Las Vegas ou envergando fantasia de oficial nazista em Londres, mas sempre colecionando namoradas. Dezenas de garotas de sangue azul e filhas de bilionários cobiçavam o instável Harry, o da “vida louca” de anos atrás. Passaram.
Quando Harry, 33 anos, cresceu, em todos os sentidos, começaram a tentar decifrar o futuro do sexto colocado na linha de sucessão do trono da Inglaterra. O encontro com Meghan, três anos mais velha do que o futuro marido, apresentada por uma amiga comum, não só mudou o destino do príncipe, como exibiu um lado tolerante, nada conservador, da monarquia. Pode ter sido a comovente paixão que os aproximou, duas pessoas de classes tão distantes e geradas em mundos totalmente diferentes.
Filha de uma família norte-americana desestruturada (Henry sequer conhece Thomas Markle, o futuro sogro), Meghan não encontrará guarida na intrincada família real. A rainha Elizabeth trata todos a distância. Ela tentará levar uma vida feliz ao lado de Henry. Despirá a fantasia de Rachel Zane, na insossa série Suits. Não poderá mais dar autógrafos ou fazer selfies com os fãs. Anulará os perfis no Twitter, no Instagram e no Facebook. Assumirá outro papel na vida e precisará cumprir um protocolo a cada aparição. Dezenas de câmeras estarão a sua espreita, tentando arrancar uma cruzada de pernas mais sensual, um decote ousado demais, um sorriso fora do lugar. Foi a tristeza na face de Diana captada pelos fotógrafos que denunciou a sua infelicidade ao lado do adúltero Charles.
Há algo maior destinado à mulher que ingressará pela porta da frente do castelo de Buckingham, mesmo não sendo um deles por certidão, berço ou fortuna. Como se no grosso portão de metal balançasse uma placa com dizeres invisíveis, tipo “a monarquia inglesa aderiu à democracia racial”. É preciso sobreviver em uma sociedade em constante evolução.
Meghan, entre outros afazeres, substituirá Diana, a sogra morta tragicamente, em missões humanitárias nas ilhas britânicas e em qualquer lugar. Será o rosto real, mesmo sem o sangue azul exigido, no braço da assistência social da monarquia, ao lado de Henry.
Será o papel da vida de Meghan Markle, espetacularmente maior do que uma performance em qualquer série da Netflix, The Crow, inclusive. Cerca de 68% dos ingleses apoiam a monarquia. Novas pesquisas serão realizadas depois do casamento deste sábado, quando dois bilhões de pessoas estarão grudadas em telas e telões de TV.
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