O manual não escrito das garotas de programa requer que elas inventem um codinome para proteger sua identidade. Pois para Cláudia de Marchi, a personagem Simone – criada para homenagear a escritora francesa Simone de Beauvoir – durou apenas três semanas. Foi o tempo em que a gaúcha de 34 anos permaneceu no anonimato trabalhando na nova profissão. “Professora de Direito conta em blog como virou prostituta de luxo em Brasília”: a chamada no site Catraca Livre em junho acabou com a chance de anonimato.
Em vez de partir para outra, Cláudia se aproveitou dos holofotes para ousar mais. A intimidade compartilhada com seus clientes passou a ser escancarada sem pudores no blog que leva seu nome, que tem cerca de oito mil acessos por dia:
– De meus clientes nunca omiti minha identidade. Mas nunca escondi meu rosto nem nada, só usei outro nome porque, se você jogasse no Google, encontraria meu currículo Lattes, notas de expediente do Tribunal de Justiça, alguns textos jurídicos e todo tipo de coisa de professora e advogada.
Os familiares que a viram crescer em Passo Fundo, onde se formou em Direito em 2005, sabem de tudo: a mãe, dona de casa, e o pai, caminhoneiro, casados por 27 anos e hoje separados, não a julgam (leia no fim da reportagem). Simone/Cláudia há pouco subiu seus honorários de R$ 500 para R$ 600 por hora. “O valor cobrado é pouquíssimo dentro do que sei que a minha companhia vale”, descreve na seção Valores & Prazeres, quando aproveita para indicar aos homens quais são seus limites na cama e desabafa sobre o quanto acha deselegante pechinchar o cachê estipulado. Por WhatsApp, rejeita atender os barganhadores – e outros mais.
– Não atendo homem que fala e escreve errado e quem me aborda como se eu fosse um objeto. Não tenho como foco políticos. O que me trouxe a Brasília não foi isso. Mas também me dou ao luxo de não aceitar eventuais pessoas cuja orientação política não feche muito com a minha. E sem beijo na boca também não rola – afirma em entrevista a Donna, por telefone.
Mesmo com tantas objeções, Cláudia – que se declara de esquerda – diz que a vida nova na Capital Federal vai muito bem. Atende a apenas dois clientes por dia, “no máximo três quando um dos dois é muito rápido”, do contrário diz que fica sem “energia psíquica e sexual” para se dedicar propriamente:
– E só volto a atender de novo aqueles que me agradam na primeira vez, os que se preocupam com o meu prazer, o meu orgasmo, e que tenham uma postura carinhosa.
Cláudia começou a fazer programa depois de ter perdido o emprego como professora universitária em Sorriso (MT). Seus relacionamentos anteriores, afirma, sempre iam por água abaixo quando entrava na fase da rotina – inclusive um casamento no civil que não durou sequer um ano.
– Não tenho tolerância ao comodismo, à rotina e àquela preguiça que os homens têm de nos reconquistar diariamente. Já havia decidido que não queria ser mãe. Então, minha decisão de agora tem a ver com frustrações acumuladas ao longo de anos. E além disso, claro, gosto muito de sexo. Mercantilizei meu talento sexual, a minha libido, para essa finalidade.
Há quatro anos, quando começou as primeiras leituras sobre feminismo, Cláudia sentiu-se liberta dos padrões machistas que marcaram seus namoros anteriores e passou a estudar a obra de Simone de Beauvoir. No blog, compartilha suas ideias sobre igualdade de gênero. Questionada sobre como concilia o sexo por dinheiro com o feminismo, responde que nâo vê contradição entre uma coisa e outra.
– Sempre me perguntam isso, mas acredito que feminismo é uma libertação, não uma obrigação. É fazer, exclusivamente, o que desejo. É isso que faço desde 11 de abril deste ano. Tomei uma decisão pensando no meu prazer e no meu sustento. E quero, com meus escritos, incentivar as mulheres a exigirem o melhor para si, seja na cama ou fora dela. De uma forma extremamente racional, não existe oposição nenhuma entre você oferecer prazer sexual a um homem e ter uma atitude feminista. Quero que as mulheres se unam e se valorizem de verdade, ao invés de uma se digladiar com a outra, essa rivalidade entre mulheres também fomenta o machismo.
Cláudia admite que, antes de decidir ser prostituta, acreditava que aquela era mesmo uma escolha para “mulheres de vida fácil”. Mas mudou de ideia quando passou a viver a realidade delas.
– Enquanto era advogada e professora, assim como muitas outras mulheres, acreditava que prostitutas eram pouco admiradas. Simone tem um perfil de alta classe, tanto pela formação quanto pelo intelecto, então é diferente. Não vivo só pensando no corpo, tenho assunto sobre tudo.
Para deixar claro seus interesses culturais, costuma postar no Instagram fotos suas sensuais lendo livros como Trópicos utópicos, do economista Eduardo Giannetti, e Raízes do Brasil, do historiador Sérgio Buarque de Holanda.
– Antes eu ficava frustrada porque o que chama a atenção do povo é só sexo ou beleza, e não o intelecto por si só. Agora, fico feliz porque estou chamando atenção por unir os dois.
COM O APOIO DA MÃE
Por Guilherme Mazui | RBS Brasília
Ao saber de histórias como a de Cláudia de Marchi, ex-Simone Sttefani, penso na reação da família. Não é fácil para pais, irmãos, avós e tios lidar com tal situação, que costuma ser ignorada em casa. Pois Claudia tem o apoio da mãe, Joceli. Estive com ambas em um café de um shopping na área central de Brasília.
Confesso que fiquei surpreso quando cheguei ao café e conheci mãe e filha. O encontro seria apenas com Cláudia, que foi acompanhada de dona Joceli, uma artesã de 64 anos, natural de Nonoai. Cabelo preso, sem maquiagem, a mãe ouviu com atenção a filha narrar sua trajetória de advogada e professora a acompanhante de luxo. Sem qualquer palavra de reprovação.
– Vi tudo o que ela estudou e passou para se formar e ter uma profissão. Foi muito triste o que aconteceu na carreira de advogada – resignou-se.
No Facebook, Cláudia registra que trabalha como “cortesã”. Em seu site, ainda com o codinome Simone Steffani, mantém um diário pessoal e profissional, com detalhes íntimos. Nada disso sua mãe monitora. É um acordo entre as duas.
– É a única coisa que não leio. Prefiro não ler – afirmou a mãe.
Joceli chegou a Brasília em julho. A filha alugou dois apartamentos, no mesmo prédio, na Vila Planalto, próxima ao Palácio do Planalto – recentemente elas se mudaram para a Asa Norte, área nobre da Capital. As despesas são custeadas por Cláudia, que, em poucos meses, acompanhou um cliente a Punta Cana e garante que sua renda líquida supera R$ 10 mil mensais.
– Ela está bem para quem começou há pouco tempo – incentiva Joceli.
A mãe não mudou a expressão enquanto a filha falava em “cliente”, “sexo oral” e “69”, por exemplo. Ainda sorriu quando Cláudia disse ter se “encontrado” na nova profissão. Não à toa coube a Joceli contar a novidade ao ex-marido. “Calma, ouve bem o que vou falar. Ela mudou de vida em busca de uma remuneração melhor”, disse ao ex-marido, que se conformou dando apenas um conselho: “Ela deve cuidar da saúde”.
Joceli também comunicou aos avós de Cláudia, seus pais, sobre a novidade. Nonagenários e religiosos, eles vivem em Passo Fundo. Foram informados e preferem não tocar no assunto. Diferentemente do restante da família. Cláudia é o assunto entre tios e primos. Comentários indignados condenam a escolha. A mãe rebate. Não sai do lado da filha.
– Infelizmente, sem dinheiro não se consegue muita coisa na sociedade de hoje. Foi um caminho honesto diante de uma dificuldade. Pecado, não é – reforçou Joceli.
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