Foto: Michael Paz/Divulgação Foto: Michael Paz, divulgação
Fernanda Lima poderia se manter no confortável posto de musa de sua geração sem precisar militar por causas polêmicas ou temas como violência contra mulheres e desigualdades sociais. Criada em um ambiente livre de machismo, independente desde cedo, com sucesso consolidado e uma família-modelo, diz jamais ter sofrido qualquer tipo de preconceito ou repressão por seus atos. Mas Fernanda, 38 anos, tem um propósito declarado: quer, em suas palavras, “colocar o dedo na ferida” de uma sociedade que historicamente rejeita minorias. À frente de seu Amor & Sexo desde 2009, gradativamente transformou o perfil do programa em muito mais do que dicas de sedução, com relatos de experiências suas e de celebridades. Na nona e derradeira temporada da atração, que termina em abril, tomou como missão dar voz a temas que, até pouco tempo atrás, não tinham visibilidade na mídia.
– Demorou. Demorou para falarmos do prazer feminino, de empoderamento, de homossexuais, de trans, de igualdade. Tudo isso que está sendo falado agora deveria estar sendo falado há cem anos. É uma loucura que só agora a gente consiga debater esses temas abertamente na TV. Para alguns, pode soar exagero falar tanto disso, mas não é. Respeitar as diferenças é a forma que temos para criar um mundo mais justo – aponta Fernanda em entrevista por telefone.
Com os debates gerados pelo programa, Fernanda quer contribuir para um mundo mais tolerante, que fique como legado para a geração de seus filhos, João e Francisco. Os gêmeos, fruto do casamento com o apresentador Rodrigo Hilbert, completam oito anos em abril. O casal diz que compartilha das mesmas angústias de qualquer pai e mãe, função que vem “sem manual”, como brinca Rodrigo.
– Ensinar responsabilidade é algo que demanda horas e horas e horas, o dia inteiro, todos os dias. Não é fácil, mas é o que vai torná-los adultos interessantes, educados e responsáveis, virtudes que queremos ver nas pessoas – completa Fernanda, que, após se despedir de Amor&Sexo, apresentará o SuperStar em abril.
O fim da atração já havia sido anunciado outras vezes, mas agora a intenção seria encerrar em alta, para evitar desgaste da fórmula. Esta última temporada focou nas questões da diversidade como fio condutor. O ponto alto foi a competição de drag queens no quadro Bishow, cujo encerramento bombou nas redes sociais. Vestindo um look de borboleta com 40 mil cristais, Fernanda chamou até a mãe, dona Teca, para cantar junto. A mãe, aliás, é sua grande referência no que se refere à liberdade de atitudes. Vem de seu exemplo a consciência de que uma mulher pode – e deve! – ser livre em todos os aspectos: o andar, o vestir e o falar não podem ter restrições atreladas ao machismo.
– A maneira como uma mulher se veste não dá o direito de ninguém achar que está se oferecendo. Essa mentalidade de que usar uma saia curta seria estar se oferecendo é totalmente arcaica – exemplifica Fernanda.
Na conversa a seguir, a artista diz o que pensa sobre diversos temas já abordados no programa e fala de casamento, família, beleza e carreira.
INTOLERÂNCIA
“Esta é uma dívida que a sociedade tem com as minorias e que agora estão sendo faladas. Pois demorou, né? Há quantos anos a sociedade maltrata as mulheres, não as põe em igualdade? Para termos um mundo mais justo, é preciso tocar em assuntos que antes eram distantes da nossa casa, da nossa família. Era só o vizinho, era o outro, era aquele lá... Nunca no nosso núcleo. A gente precisa conseguir entender e aceitar as pessoas como elas são, parar de querer julgar, matar, bater, não tem o menor cabimento nada disso. Por que um homossexual incomoda tanto um heterossexual?”
MACHISMO
“É fato, infelizmente: somos uma sociedade machista. Nós, mulheres; eles, homens, criados por mulheres machistas, todos são machistas. Então, o buraco é muito mais embaixo, porque todos nós temos que repensar a maneira como vivemos. Se tu me perguntas se acho o Rio Grande do Sul machista: sim, é muito machista, mas o Nordeste também é, ninguém está livre. Temos herança de outras culturas machistas, de outros países que colonizaram a gente. É uma marca, temos que vagarosamente ir mudando a mentalidade.”
SORORIDADE
“Se tu fores pensar, as próprias mulheres são mesmo muito cruéis com as outras mulheres. Não é exclusivo dos homens, não é culpa dos homens, é culpa de uma sociedade que vive numa cultura machista há muito tempo. Elas também são culpadas, claro, elas também colaboram. As mulheres criticam outras mulheres que têm atitudes liberais, que liberam seus corpos ou que fazem sexo quando querem, que falam o que querem, botam um batom vermelho. Acho que a gente tem que ser livre. Homens e mulheres têm que ser livres. A gente tem que tentar parar de julgar tanto o outro e tentar se enxergar um pouco mais, de que maneira estou vivendo minha vida de forma plena, porque, depois que passa, não tem mais volta.”
DIVERSIDADE
“Nesta temporada do programa, tentamos mostrar que é preciso respeitar as diferenças. Mostrar que aquelas meninas, aquelas drags, têm mãe, têm pai, que buscam na festa com medo de que seus filhos sofram algum tipo de violência. Tudo aquilo nos tocou profundamente. As pessoas assistem sem rejeitar os temas delicados. Até mesmo quem é mais fechado, mais quadrado, mais cabeça-dura, acaba simpatizando com os programas de alguma maneira. Li um depoimento que dizia assim: ‘Meu pai é a pessoa mais intolerante do mundo, quadrado e grosseiro, mas está vendo o programa das drags e até agora não disse uma única palavra’. Ou seja, mesmo os que não gostam de falar sobre isso e não aceitam as diferenças, de repente estão ali nos assistindo. Mesmo que não façam elogios, pelo menos estão calados, estão tentando enxergar de uma outra maneira.”
LIBERDADE SEXUAL
“Venho de uma geração em que a mulher é muito livre. Nunca sofri nenhum tipo de repressão na adolescência e, mesmo depois, não lembro de ter sofrido nada relacionado. Vivo em um núcleo, no Rio, no Leblon, onde as pessoa são, em tese, informadas, inteligentes e bababá. Mesmo assim, vejo muita gente falando bobagem por aí. Mas nunca me vi numa situação de repressão por usar roupa curta ou batom vermelho ou por ter uma noite de sexo na primeira vez que encontrei um homem. Felizmente me sinto uma mulher absolutamente livre na sociedade em que vivo. A gente sabe que não é assim sempre, que muitas mulheres estão presas dentro de casa, submissas, apanham dos maridos, sofrem violência verbal. A gente sabe que tem muita injustiça por aí, mas eu particularmente não posso reclamar. Minha vida é e sempre foi muito livre neste aspecto.”
EMPODERAMENTO
“Dentro de casa, pouquíssimas vezes meu pai me proibiu de fazer alguma coisa porque ‘Ah, isso não pode, você é menina’. Já falou, mas pouquíssimas vezes. Minha mãe (dona Teca, a Maria Tereza) sempre foi uma mulher empoderada, a vida toda ela que dirigia indo para a praia, sempre foi e continua sendo a churrasqueira da família. Penso na minha mãe como uma guerreira, uma força dentro da família, um poder dentro de casa. Nunca me disse o que eu não deveria ou não poderia fazer. A única coisa era quando eu pedia ‘Mas, mãe, todo mundo vai’, e ela respondia: ‘Mas tu não é todo mundo’ (risos). Uma mulher lutadora, muito firme em suas posições. Todas as mulheres da minha família têm essa característica. Isso me deu muita segurança de ser quem sou, de falar o que quisesse, fazer, de ir e vir, usando o comprimento de saia que eu quisesse.”
AMOR & TRABALHO
Todo sábado à noite, quando o episódio inédito de Amor&Sexo vai ao ar na Globo, Fernanda Lima não sai de casa por nada. Quer acompanhar as reações dos espectadores nas redes sociais. De celular na mão, lê os comentários no Twitter e recebe mensagens de amigos no WhatsApp. Seu envolvimento com o programa é intenso desde que estreou, em 2009, mas ficou ainda maior quando passou a assinar o roteiro da atração junto a Antonio Amâncio, seu empresário e também cupido da história de amor com Rodrigo Hilbert – foi ele que apresentou o casal.
Fernanda participa desde a concepção até a finalização de cada episódio de Amor& Sexo. Meses antes de uma temporada começar, a pesquisa sobre os temas já está sendo desenvolvida. O clima descontraído no palco é fruto de imersão prévia:
– Quando chego para gravar, o programa já faz parte de mim, está no meu inconsciente, por isso que fica tão natural, pois está tudo pensadinho – diz a apresentadora, que já cantou no palco, tocou guitarra e chega a ensaiar cinco horas por dia para as coreografias que apresenta na abertura.
Rodrigo entrega que a companheira corre de um lado para o outro para deixar Amor&Sexo com a sua cara. Se do nada ela some dentro de casa, ele sabe que está escondida vendo gravações feitas e fazendo anotações.
– “Pago um pau” para ela impressionante. Não vejo ninguém no mercado tão dedicado como ela a tudo que faz. E nunca me deixa ver nada antes. É a bichinha que faz tudo, ela adora essa função – afirma o marido, que já participou como convidado em diversas ocasiões.
Como é de se esperar, a vida sexual do casal vira assunto no próprio programa e sempre que um dos dois dá entrevistas. Fernanda já contou que costuma trocar nudes com o marido, prática que recomenda a todos os casais em relacionamento estável para dar uma apimentada, e que curte transar de salto alto para inovar vez que outra. Os dois são constantemente flagrados em cenas de carinho em público, trocando beijos no intervalo de uma partida de vôlei na praia ou mesmo andando de mãos dadas pela rua. No imaginário do público, a vida do casal é sinônimo de perfeição: para Fernanda, uma história de amor é uma combinação de fatores que vão muito além do que se supõe sobre a grama verde do vizinho.
– Temos um relacionamento que vem sendo construído há mais de 10 anos. A gente já esteve separado e já retornamos porque achamos que valia a pena. E, se vale a pena, tem que ser uma construção diária. Gosto de estar com a pessoa que amo, construímos uma família e lutamos por ela todos os dias. Isso não quer dizer que a gente seja mais perfeito ou imperfeito do que qualquer outro casal. Todo mundo deveria viver assim em vez de ficar projetando um jardim perfeito como o do vizinho.
O PROGRAMA AMOR & SEXO
“O retorno do público quando o programa está no ar é incrível. Dia desses, recebi até um whatsapp de alguém que não conheço, dizendo: ‘Eu queria agradecer o Amor&Sexo porque com a ajuda de vocês vou conseguir criar meu filho com uma cabeça melhor do que a minha’. São relatos muito significativos e emocionantes. Mesmo que as pessoas achem estranho e digam ‘Ai, por que estão falando tanto de gays na TV’, estão começando a enxergar uma outra maneira de lidar com assuntos que não são próximos da vida delas. As pessoas podem achar que é um excesso falar de diversidade, mas não é. Essas discussões não regridem mais a partir de agora.”
AMOR E FILHOS
“Não é algo simples criar filhos. Deixá-los com uma babá e ir passar um mês em Nova York é muito fácil, mas você vai ter o ônus disso quando voltar. Então, a gente prefere ficar com eles e estar junto, enfrentando as questões que surgem. A gente divide e reveza bastante. Estamos aprendendo a ser pai e mãe, ninguém nasce sabendo. E às vezes preciso ser chata com as crianças, cobrar a hora de dormir, não tem uma fórmula. Para a criança, a rotina é algo chatíssimo, porque há hora para comer, hora pra sair pra escola, hora para isso, hora para aquilo. Eles acham insuportável e com toda razão, eu também achava quando era criança. Mas é isso que organiza a cabecinha deles. Ensinamos responsabilidades, por exemplo: fazer o dever longe da manteiga para não sujar o papel e, depois de fazer, tem que guardar na pasta dele, botar na mochila, porque senão não vai chegar na escola sozinho.”
TRABALHO E VIDA REAL
Andar na rua sem altas produções, cumprir horários e coordenar as agendas de compromissos de todo o quarteto, sem esquecer de reservar um tempo para curtir a família e namorar o marido, são hábitos que Fernanda valoriza como parte do que chama de “vida normal”.
– É isso que faz a vida ser especial, porque, se a gente não tivesse rotina, que graça teria, né? Viver uma vida inteira de férias seria chato (risos). Essa parte burocrática pode parecer muito chata, mas é o que dá ordem na nossa cabeça.
Seguida por paparazzi onde quer que vá (e Fernanda já os conhece pelo nome), ela diz que a família toda sabe lidar com o assédio de uma forma tranquila. Até os gêmeos já se acostumaram a serem clicados em todos os lugares. Para Fernanda, isso ajuda a desconstruir o mito da sex symbol 24 horas por dia, sete dias por semana.
– Essa questão da vaidade não me pega. Não me arrumo para sair de casa, sou fotografada às vezes quase de pijama, com cabelo desarrumado, saio na revista que nem uma louca. E isso sempre foi claro para mim: vida normal é vida normal. Na TV, com luz, câmera e ação, é outra história. Fico sentada por horas para sair linda, com uma roupa absurda, aquele batom, aquele cabelo. Mas a vida prática não é assim. Ando de bicicleta, corro de um lado para outro, levo os filhos ao dentista, ao médico, ao inglês, à escola, às festinhas. Não posso me montar em um personagem o tempo todo.
AMOR & RODRIGO
“Além do amor e do sexo tem que ter parceria, principalmente. E paciência, compaixão, conseguir entender a questão do outro, ter empatia. É estar olhando para o mesmo caminho. São duas pessoas com os mesmos interesses e planos, é isto que faz com que o casal siga em frente. Se um quer uma coisa e outro quer outra, fica muito distante, individualiza muito. O que a gente quer? Vamos atrás disso. Eu e o Rodrigo queremos paz. Ficar tranquilos, ficar com as crianças, ter harmonia, e não correr que nem loucos todo dia. Como casal, você tem que ser paciente. Há momentos de reflexão, de alegria, de emoção, de tristeza, tem altos e baixos, realmente. Mas você saber que todos os dias a pessoa vai estar do seu lado e você ao lado dela, com calma e afeto, é isto que importa.”
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