Por Mariane Morisawa, Especial, Los Angeles
No corredor do hotel Four Seasons, em Beverly Hills, espero minha vez para falar com Shailene Woodley, estrela de A Série Divergente: Insurgente, quando Kate Winslet entra no quarto de sua companheira de elenco. No filme baseado no best-seller de Veronica Roth, Shai, como é conhecida, interpreta Tris, adolescente numa Chicago pós-apocalíptica dividida em facções: Abnegação, Amizade, Audácia, Franqueza e Erudição. Nascida em Abnegação, ela escolhe ir para Audácia depois de ser diagnosticada como Divergente (com características de diversas facções). Os Divergentes são tratados como ameaça pela líder dessa sociedade, Jeanine (Kate Winslet). Shailene e Kate são, portanto, inimigas no filme - mas, na vida real, viraram amigas, como se nota pelas risadas que de vez em quando atravessam a porta trancada por dentro, para que nenhuma das assessoras as interrompa. Quase meia hora mais tarde, depois da sua habitual recepção com um abraço - coisa normal para ela, mas anormal para qualquer americano, famoso ou não -, Shailene me pede mil desculpas pelo atraso:
— É que fazia um ano que não nos víamos — diz, referindo-se à companheira de elenco.
É um pedido sincero, não pro forma. Não tem como não perdoar. Aos 23 anos, Shailene Woodley é do tipo que olha no olho e fala o que pensa. Para ela, a coisa mais ousada a fazer na vida é ser você mesmo.
— É preciso ter coragem para fazer isso quando há 500 milhões de pessoas dizendo como você deveria ser — acredita.
Não teme declarar, por exemplo, que acha "ridículo" existir um Dia Internacional da Mulher. E provocou polêmica ao declarar-se não feminista numa entrevista, mas mantém a posição:
— Estamos em 2015, gente, vamos evoluir. Prefiro falar de uma irmandade entre as mulheres. É importante que as mulheres respeitem as outras mulheres, independentemente de suas visões, com quais rótulos se identifica, a cor de sua pele, sua aparência física. Há muita competição e ego envolvendo mulheres. Há muita comparação, em vez de simplesmente celebração da outra pessoa como ela é. Existe muito poder numa mulher que apoia outra mulher sem sentir inveja de sua situação. Acho que é isso que vai mudar como as mulheres são vistas no mundo: as mulheres se apoiarem.
No ano passado, Shailene Woodley esteve em dois sucessos de bilheteria. A ação Divergente, de Neil Burger, primeira parte da saga, rendeu US$ 288,7 milhões no mundo inteiro, enquanto o drama A Culpa é das Estrelas, de Josh Boone, arrecadou US$ 306,5 milhões e foi a maior bilheteria do ano no Brasil. São dois filmes sobre adolescentes, voltados majoritariamente também para adolescentes, mas que mostram a versatilidade da atriz - que concorreu ao Globo de Ouro de coadjuvante em 2012 por Os Descendentes, de Alexander Payne, no papel da filha de George Clooney.
Com fama, reconhecimento, fortuna e juventude, Shailene poderia ter virado outra pessoa. Mas não. Continua sem casa fixa, ficando em apartamentos e hotéis nas locações e nos sofás de amigos ou da família quando está em Los Angeles - ela nasceu em Simi Valley, nos arredores da cidade.
— Seria desperdício de dinheiro ter um lugar fixo, nunca paro em lugar nenhum — diz a atriz, que reconhece estar pronta para ter uma casa. - Mas não vou ter tempo por enquanto.
Na natureza selvagem
Filha de psicólogos, Shailene Woodley foi criada na base do "como você se sente em relação a isso?". Decidiu tentar atuar aos cinco anos de idade, simplesmente porque gostava. Nunca se desapaixonou. Mas seus pais sempre exigiram que fosse bem na escola, se divertisse e continuasse sendo a mesma pessoa. Foi o mesmo conselho ouvido da agora amiga Kate Winslet, que ficou muito famosa muito rápido por causa de Titanic: "Continue sendo você mesma". Ela obedece. Mas também sabe que não chegou onde está da noite para o dia:
— Sou atriz há 17 anos. Levei 500 nãos antes de receber o primeiro sim. E o primeiro sim foi para um comercial pequeno. Demorei 13 anos para fazer meu primeiro filme. Sou apaixonada pelo trabalho, não pelas outras coisas que vêm com o trabalho.
Ela vive numa mala, basicamente, o que não é difícil quando se tem umas duas ou três calças de moletom, dois pares de jeans, cinco camisas, cinco camisetas de manga comprida, alguns suéteres e uma jaqueta de couro. Para as pré-estreias e entrevistas, sua stylist manda outras malas, com looks definidos.
— Eu era mais ligada em roupas quando era adolescente. Mas hoje sou pela simplicidade. Não é preciso muito para ser feliz — declara a atriz que, na entrevista, usa um vestido longo de alcinhas, nem justo nem largo, com jaqueta de couro e botas, tudo preto.
Quando tinha 15 anos de idade, Shailene começou a pesquisar o que era saudável ("Cada um diz uma coisa, era confuso"). Acabou voltando às suas próprias origens, estudando a cultura indígena do sul da Califórnia e ervas medicinais. Resultado: carrega chás para toda parte. Sua mais recente descoberta é o tomilho, bom para o sistema respiratório e para o estômago:
— Aprendi com os nativos americanos sobre o senso de comunidade e a alternância entre banquetes e jejuns, entre excesso e falta, que me parece uma prática bonita, não apenas em relação à comida.
Não tinha telefone até outro dia, mas a vida ocupada fez com que se rendesse. Exercícios são parte de sua rotina, especialmente caminhadas. De vez em quando, aventura-se numa expedição de sobrevivência, construindo seu próprio abrigo, localizando fontes de água, coletando alimentos. Um de seus rituais consiste em queimar incensos e velas para mudar a atmosfera do ambiente. Nos sets de filmagem, promove sessões de flexão de braço para recuperar a energia. Fala tão apaixonadamente sobre a importância de saber a origem dos alimentos que convence até o maior dos céticos, como seu companheiro de elenco na série Divergente, Miles Teller (de Whiplash - Em Busca da Perfeição), a prestar atenção na comida geneticamente modificada.
Por ser como é, normal e sem medo de parecer normal, Shailene se encaixa perfeitamente na era das estrelas gente como a gente - em que o bacana é ser a que cai na escada, que fala besteira. Que tem personalidade.
GALERIA! 3 momentos da carreira de Shailene Woodley