A verdade é que Meghan Trainor não dança.
No palco do Madison Square Garden, durante os quatro minutos de sua participação no iHeartRadio Jingle Ball, em meados de dezembro passado, ela até agitou as mãos e deu uma mexida nos quadris, mas foi o quarteto de dançarinas de apoio, todas de minissaia de couro, que fez praticamente tudo. A cantora, vestida de lantejoulas, prefere apostar em seus olhos grandes e na potência da voz, treinada para acompanhar os passos com suavidade. Ainda é nova nesse ramo.
– Preparados para o Bass? – perguntou para o público, que foi ao delírio ao reconhecer os acordes de seu grande sucesso.
Meghan começou 2014 como compositora, mas acabou o ano como uma sensação acidental graças a All About That Bass, música que, na verdade, foi gravada mais por capricho, pois era para outra pessoa lançar. Quando as gravadoras recusaram o demo, alegando não ter o veículo certo para a mistura de doo-wop inspirado nos anos 50 com hip-hop açucarado - "É, dá para ver bem/que eu não uso PP/mas sei chacoalhar, chacoalhar como deveria", canta ela -, a própria compositora se transformou em um arraso de aceitação corporal ("that bass" se refere ao bumbum).
A música não demorou a virar um fenômeno cultural, o tipo da melodia que gruda no ouvido e acaba sendo cantarolada pela garotada e pelos pais, embora os críticos peguem pesado nas implicações da filosofia que prega. All About That Bass passou dois meses no topo do Hot 100 da Billboard e faturou uma indicação a Álbum do Ano e Música do Ano. O vídeo no YouTube já recebeu mais de 500 milhões de visitas. Lips Are Movin', sua segunda música, com um som parecido (e nova referência a "this bass"), chegou a ficar em 4º lugar nas paradas antes do lançamento de seu primeiro álbum por uma grande gravadora, Title, ocorrido no último dia 13.
Agora vem a parte mais difícil: aquela em que Meghan tenta transformar um megasucesso em uma carreira consistente, que não seja mais totalmente dependente dos fãs bem novinhos que conquistou graças à atitude de garota comum e às melodias animadinhas. Combinando o som retrô e a competência técnica de Adele e Amy Winehouse (só que em tons pastel) com uma relativa segurança e os ritmos palatáveis de Iggy Azalea (tirando a significância do rap), Meghan é um camaleão musical, fluente em muitos estilos graças aos tempos em que só compunha para outros artistas.
Ela também fez 21 anos há pouco tempo e não pretende se fingir mais nova.
— Não queria ser transformada em menininha Disney, nem ser rotulada dessa forma, mas não tinha ideia de que as pequeninhas iam curtir tanto The Bass — diz Meghan, que ouviu recentemente de Beyoncé que sua filha de três anos, Blue Ivy, é doida pela música.
"E ESSA NEM É MINHA MELHOR MÚSICA!"
Meghan foi criada na pequena ilha de Nantucket, em Massachusetts, onde seus pais têm uma joalheria. Filha do meio, com dois irmãos, começou a compor aos onze anos e, antes de se formar no colégio já tinha assinado contrato com uma gravadora. E em vez de cursar o Berklee College of Music, onde foi aceita, Meghan se mudou sozinha para Nashville, no Tennessee, onde fez sucesso compondo para outros artistas.
— Ela não tem nada de country, mas é totalmente versátil — elogia Carla Wallace, que foi quem descobriu Meghan, ainda adolescente, e a levou para a Big Yellow Dog Music.
E confiante também.
— Ela chegou no meu escritório com a mãe e disparou: "Fala a verdade, eu sou uma graça, né?". Só tive que concordar — relembra Carla.
Apesar de emplacar duas músicas com a banda country Rascal Flatts, superpopular, Meghan estava frustrada:
— Adorei, mas era country. Sempre achei que não podia ficar só naquilo, que tinha que ir além.
E deu a sorte de conhecer Kevin Kadish – que trabalhou em parceria com Meghan no sucesso e em seis outras músicas que aparecem em Title – compositor que, como ela própria, tinha toda uma afinidade com a música pop dos anos 50 e 60. Na primeira sessão juntos, já compuseram All About That Bass, baseada no título de outra canção (All Bass No Treble) que Kadish tinha guardada.
– Foi como um encontro às escuras e a química da nossa composição rolou forte – comemora ele.
No entanto, vender a música provou ser bem mais difícil do que compô-la. Meghan relembra o discurso que repetia às gravadoras: "Vocês por acaso não têm uma artista nova que não seja compositora, nem magrinha e cante rap?" É, era uma descrição bem específica.
Até que, depois de ouvir a faixa no escritório da Epic Records, L.A. Reid, CEO e presidente da gravadora, pediu que a própria Meghan a cantasse. Em questão de dias, ela recebeu a proposta de um contrato fechado só na força de All About That Bass.
Na época em que era adolescente, Meghan chegou a fantasiar na canção Who I Want to Be o que pode ser até encarado como uma premonição: "Eu poderia ir ao Grammy/De mãos dadas com Adele e a família/Mas tenho que conquistar pelo menos um sucesso/E você pode vir comigo".
— Sempre foi o meu sonho, dá para perceber na música, "a garota que só quer ser estrela pop", mas tinha minhas inseguranças, não achava que poderia cantar, dançar e encarnar o papel ao mesmo tempo.
Temores esses que desapareceram quando All About That Bass emplacou no topo das paradas mundo afora – e nunca mais voltaram.
— Todo mundo me pergunta se eu não tenho medo de ser cantora de um sucesso só, mas respondo que sou compositora. E essa nem é a minha melhor música.