Fernanda Young lançou na terça-feira passada, no restaurante Salommão, em São Paulo, seu novo livro, O Pau. O romance sai à venda menos de um mês depois de chegar às bancas a Playboy que trouxe a escritora fantasiada de coelhinha na capa. Coincidência ou sacada de marketing, fato é que Fernanda Young já se mantém há boas semanas em evidência, ora refletindo sobre a decisão de tirar a roupa prestes a entrar na meia-idade - como ela define os 40 anos -, ora explicando os motivos que a levaram a escrever a história de Adriana, uma bela designer de joias de 38 anos que descobre a traição do namorado, 14 anos mais jovem.
- A nudez e o livro têm o mesmo tom, o tom da vingança - explica.
Na ficção, Adriana monta um elaborado plano de vingança com o objetivo de destruir o que acredita ser a única coisa com a qual seu namorado se importa: o pênis (daí o título do livro).
Na vida real, a vingança à que Fernanda se refere não é contra alguém em especial, mas contra seu passado de garota "estranha, esquisita, aquela que nunca iria casar, que não daria em nada".
- É uma vingança do ato de vingar, de dar certo - justifica. - Consegui refazer meu amor próprio e desenvolver a consciência do meu potencial depois de ter sido muito massacrada.
Escritora, atriz, roteirista e apresentadora de televisão, Fernanda Maria Young de Carvalho Machado, mais de 20 tatuagens espalhadas pelo corpo, está na melhor e mais feliz fase da vida, como explica nesta entrevista a Donna. Possui um programa semanal de prestígio na TV, o Irritando Fernanda Young, no canal GNT, e coleciona belos trabalhos, entre eles oito livros e cinco roteiros de sucesso, incluindo duas peças de teatro e o seriado Os Normais.
Casada há mais de 20 anos com seu maior parceiro profissional, o roteirista e escritor Alexandre Machado, Fernanda é mãe de três meninas, as gêmeas Cecília Madonna e Estela May, de nove anos, e Catarina Lakshimi, sua filha adotiva que acaba de completar um ano.
Nesta entrevista, ela conta sobre a experiência da adoção, revela como recuperou a autoestima, reflete sobre a vida profissional e mostra que a irritação é apenas um recurso de cena.
Donna - Você trata sobre vingança feminina em O Pau. Baseou-se em experiências próprias ou é tudo ficção?
Fernanda Young - Esse livro tem um potencial de ficção muito forte. Talvez seja o meu livro mais ficcional. Não que eu não tenha experimentado a vingança, a frustração, a traição, a sensação de ter sido rejeitada... Claro que sim. Mas a história de O Pau é muito ficcional, e eu me orgulho muito dela.
Donna - Por que esse título?
Fernanda - O ponto nevrálgico da traição é o pênis, né? Todas nós vivemos o desejo de querer castrar simbolicamente o homem que nos traiu. Por isso, eu fui tão cartesiana em titular este livro.
Donna - O Pau é seu nono livro. Você se sente mais à vontade para escrever?
Fernanda - Muito mais. Sob o ponto de vista de liberdade da escrita, esse é o melhor livro que já fiz. Me senti muito mais livre para me comunicar, e a liberdade é essencial para o escritor. Aos 25 anos, época em que escrevi meu primeiro livro, não tinha a coragem de publicar o que publico hoje em dia.
Donna - Você se tornou uma escritora corajosa.
Fernanda - Eu sempre fui uma pessoa corajosa, mas melhorei com a idade. Adquiri liberdade como ser humano, como mulher, como cidadã. A liberdade é um exercício constante e jamais um assunto obsoleto. Posei nua na Playboy sob a alegação de ter feito isso em nome da liberdade. Parece piegas, mas posso dizer que fazer o ensaio fotográfico me produziu a sensação de liberdade necessária para escrever um livro como O Pau. Não vou me arrepender jamais de ter feito a Playboy no sentido de que esse trabalho despertou em mim a experiência da liberdade. É como se, finalmente, eu mandasse um "vai se f..." para todos os meus temores, minhas vergonhas, meus medos. É como se eu tivesse adquirido um up grade na minha trajetória de transgressora.
Donna - Algumas pessoas desqualificam seus atos e escritos pela "porra-louquice", que você considera uma qualidade.
Fernanda - Eu acho uma grande qualidade (risos). A porra-louquice me permite falar o que eu quero, e essa é a grande brincadeira. Se eu quisesse bancar a fina, a intelectualizada, a chique, eu poderia chegar com a minha pele branca, meu sobrenome inglês e fazer número de pessoa superletrada. Só que eu terminei o segundo grau no supletivo, tive uma p... dificuldade para aprender a escrever... Até hoje escrever à mão para mim é um acinte. Eu escrevo tudo errado. E não tenho problema de anunciar meus conflitos. Me sinto muito orgulhosa de sempre ter sido sincera a respeito das minhas fragilidades. Isso instiga pessoas, que também não têm esse perfil idealizado de intelectual, a exercitar o pensamento.
Donna - Teve uma época em que você reclamava da crítica, dizia que ela não dava espaço para as resenhas de seus livros. Isso mudou?
Fernanda - Mudou. Tive essa percepção quando comecei a fazer viagens e leituras pelo Brasil. Se não tivesse feito essas viagens, talvez tivesse emburrecido. Como forma de celebração, tatuei o mapa do Brasil no braço. Quando você fica restrita à implicância e ao coronelismo do eixo Rio-São Paulo, você acaba massacrada por uma meia dúzia de bobocas. Você perde a noção de que a crítica nacional é muito mais abrangente e que, fora desse circuito limitado, há pessoas inteligentes, letradas e corajosas. Eu já reclamei muito do preconceito de alguns veículos de comunicação, mas ele continua existindo. A diferença é que não conseguem mais se sustentar. Além do mais, não mereço me tornar uma pessoa perseguida.
Donna - Críticas desestruturam você?
Fernanda - Nunca fui de ler o que publicam sobre mim, de fazer pesquisa na internet e tal. Se eu parar na frente do computador e ficar fazendo esse exercício, eu nunca mais escrevo.
Donna - Você nunca colocou seu nome no Google para ver o que aparece?
Fernanda - Nem pensar! Quem faz isso é o Alexandre. Recentemente, ele fez a gracinha de contratar um serviço de alerta do Google para mim. Cada vez que eu abria meus emails, tinham várias mesagens de alerta com meu nome. Óbvio que eu abria, né? E topava com piadas mal interpretadas, pessoas virulentas. Comecei a me incomodar bastante. Então, encerrei o assunto. Pedi ao Alexandre que excluísse o serviço.
Donna - A Playboy em que você foi capa coincidiu com o mês de lançamento de seu livro. Foi coincidência ou uma bela sacada de marketing?
Fernanda - Foram as duas coisas. A Playboy e O Pau fazem parte do mesmo pacote. Mas a data não foi proposital. Nós adiamos o ensaio fotográfico porque eu não conseguia conciliar a agenda de todos os profissionais que escolhi trabalhar. Para completar, peguei gripe suína. Era para a revista ter saído em outubro e acabou saindo em novembro. E o livro, que estava previsto para dezembro, acabou antecipado.
Donna - Uma das justificativas que você usou para posar nua foi tema de seu livro: "vingança pura e simples". De quem?
Fernanda - Eu disse que era vingança dos três babacas que me deixaram, mas quer saber a verdade? Esses três babacas nunca existiram (risos). Até porque os homens não deixam a gente, eles fazem com que a gente deixe eles, não é? Quando falo em vingança pura e simples, não é uma vingança categoricamente de alguém, mas do ato de vingar, de dar certo.
Donna - Como assim?
Fernanda - É sensacional eu estar na capa da Playboy. É um serviço social lindo, porque eu sempre fui muito esquisita. Era disléxica, asmática, tinha coriza, usava óculos, tinha dermatite, era corcunda, branquela... Consegui crescer, adquirir autoestima - muito graças à literatura e à maternidade - a ponto de me tornar uma mulher forte e corajosa na capa da Playboy. Eu costumo dividir o mundo entre as pessoas que jogam e as pessoas que recebem bolas de papel. Eu era tão esquisita que até os alunos que recebiam bolas de papel na cabeça na sala de aula tocavam em mim. Eu consegui refazer meu amor-próprio e desenvolver a consciência do meu potencial depois de ter sido muito massacrada. É essa a vingança da qual falo.
Donna - E sua mãe, você conseguiu irritar bastante posando nua?
Fernanda - É claro que ela ficou irritada. Anda aborrecida comigo. Eu fico impressionada com a influência que mães exercem nos filhos durante uma vida inteira - e fico impressionada comigo que, com quase 40 anos de idade, ainda tenho que me preocupar com o que pensa minha mãe. Que saco! A Playboy não foi uma maneira de irritá-la, mas foi uma forma de colocar os pingos nos is, de dizer: "Não vou fazer concessões para poupar ninguém".
Donna - Nem suas filhas? Teve uma delas que se mostrou bem resistente.
Fernanda - A Cecília foi a única que ficou mais assim... Disse que não queria, que não gostava. Mas eu conversei com ela com muita calma e sinceridade, e ela acabou compreendendo que não há nada demais em fazer um ensaio para a Playboy, que isso não me transforma em menos ou mais nada. Se eu tivesse dado essa confiança para a Cecília, para minha mãe ou para meu marido de decidir se devia ou não fazer a Playboy, estaria sobrecarregando essa pessoa de uma responsabilidade que nenhuma delas pode arcar. E estaria comprometendo minha relação com qualquer uma delas também.
Donna - Você anunciou o lançamento do seu livro pelo Twitter. Até que ponto a tecnologia está presente em sua vida?
Fernanda - Usei o Twitter para me defender de uma Fernanda Young falsa. Quando eu vi, tinha um anônimo se fazendo passar por mim, falando para mais de 30 mil pessoas, dizendo que tinha feito passeios com meus filhos, com meu marido... Foi horrível. Entrei no Twitter para exterminar essa pessoa, tirá-la do ar. E consegui. Mas acredito que não vá ter fôlego para seguir adiante.
Donna - Esse cerco em torno das celebridades incomoda você?
Fernanda - É muito chato. E é mais chato ainda para uma pessoa como eu, que sou muito, muito discreta. Levo uma vida muito singela. Ando a pé, vivo no meu bairro, saio muito pouco à noite, tenho pavor de dormir tarde, tenho pavor de comprometer o dia por causa de uma noitada. Não tenho mais resistência física para isso, não tenho paciência. Boa parte dos artistas que reclamam do assédio são justamente aqueles que dão liberdade para que ele aconteça.
Donna - Não basta ser mãe e esposa. É necessário ser linda, magra e bem-sucedida profissionalmente. Você também sofre com esses padrões?
Fernanda - É chato, mas é mais um recurso de sobrevivência para a mulher. Se eu preciso da minha estética para ter mais patrocinadores, então eu vou estar bela e ponto. Faz parte do jogo. Parece meio insustentável você ter que ser tanta coisa, mas isso não é novidade. A mulher tem sido muita coisa ao longo da história.
Donna - Você vai fazer 40 anos e considera essa a verdadeira meia-idade. Olhando para trás, o que você vê? E para frente, o que falta fazer?
Fernanda - Eu gosto de uma música do Cartola que diz: "A sorrir eu pretendo levar a vida, pois chorando eu vi a mocidade perdida". Apesar de ter um dom para me divertir - qualquer três pessoas e uma cerveja eu já acho que é rave -, a minha natureza sempre foi triste. Eu sofri muito mais até hoje do que fui feliz - e só conquistei minha alegria real e concreta com a maternidade. Isso é algo muito recente. Com 30 anos eu me tornei a pessoa que eu sou hoje, organicamente feliz, sem ter que pensar em "como" ser feliz, sem ter que me esforçar para ficar bem. Hoje eu estou bem. E pretendo levar a vida sorrindo daqui pra frente. Sem excluir o conflito, a dor, sem deixar de sofrer no momento certo. Mas pretendo levar uma vida mais leve.
Donna - A maternidade foi uma salvação?
Fernanda - Com certeza. Não acho que a principal função da mulher seja a maternidade e não acho que toda mulher tenha que ser mãe. Porém, para mim, cuidar, prover e capacitar pessoas vem sendo um privilégio. Se todos os pais tivessem a noção do valor kármico que é educar alguém, o mundo seria bem melhor.
Donna - Vocês são o tipo de família que janta e almoça junto todo dia?
Fernanda - Sim, todos os dias. Almoçamos às 13h e jantamos às 19h. E ai de quem atrasar! Quem chega às 19h15min já passa por baixo da mesa. A minha casa é como todas as casas: uma confusão danada, uma coisa horrorosa, muito drama, muita chantagem na hora de comer... (risos).
Donna - Você adotou um quarto filho, o John, de quem, por enquanto, tem a guarda provisória. Você já é mãe de três meninas. A adoção era um projeto antigo ou foi uma vontade repentina?
Fernanda - Eu tenho dois filhos por adoção, a Catarina e o John. Já temos a guarda definitiva da Catarina e, quanto ao John, ainda estamos passando por uma longa avaliação, mas está tudo se encaminhando direitinho. Eu nunca quis ter filhos biológicos, eu fui engravidar das gêmeas com 30 anos, já estava casada havia muito tempo. Durante toda a minha vida, eu sempre quis e sempre soube que teria filhos por adoção. Acredito que a maioria das pessoas que adotam tem essa consciência.
Donna - Você disse, certa vez, que não queria filhos biológicos porque não merecia. Como assim?
Fernanda - Eu não tinha autoestima suficiente. Não achava que tivesse um legado físico, genético e emocional bacana que pudesse ser passado adiante. Não queria que ninguém puxasse a mim.
Donna - E hoje, como está sua autoestima?
Fernanda - Hoje eu estou muito bem. Mas, como toda adicta, preciso ser vigilante, porque tenho a tendência de ficar me comiserando. Eu me acostumei a me entender muito mais como vítima, incapaz e melancólica, do que como uma pessoa vigorosa, como eu sou. A tendência é, numa hora de estresse, eu voltar à minha essência. Às vezes, é mais confortável atuar no sofrimento do que conseguir ser forte e lidar com os problemas. Posso dizer que hoje meu desafio é saber lidar com meus bad head days (dias de cabeça ruim) e entender que, naqueles dias em que não estou tão bem, ou tão bonita, o mundo não vai acabar. Aprendi a não ver mais as coisas tão a ferro e fogo. Minha autoestima melhorou quando percebi tudo que tinha criado de coisas boas ao meu redor, no trabalho e na família. Isso me faz acreditar que sou uma pessoa bacana.
Donna - Você raspou a cabeça durante 11 anos como uma forma de mutilação. Hoje você está propagandeando o uso da peruca. Algo mudou bastante.
Fernanda - Você não imagina como eu estou feliz com minhas perucas. Cortei o cabelo depois do ensaio para a Playboy e bateu aquela paranoia de "ai, meu Deus, cadê meu cabelo?". Então, comprei perucas lindas e ando totalmente à vontade com elas. É um recurso maravilhoso. Você pode comprar uma peruca de um cabelo muito melhor do que o seu, não é o máximo?
Donna - Envelhecer assusta você?
Fernanda - Envelhecer não me assusta porque eu observo a pessoa que estou me tornando e fico bastante satisfeita. E gosto da hipótese da pessoa que vou me tornar. Me vejo saudável, vigorosa, atlética. Se você se dedica a aprender com a vida, envelhecer é uma delícia. Não quer dizer que você não leve alguns sustos. Eu levei um bem grande recentemente.
Donna - A crise dos 40?
Fernanda - Acho que foi isso, sim. Durou uns dois meses e foi muito intensa. Fiquei até meio obsessiva com o assunto, de forma depreciativa. Achei que tinha envelhecido e pronto, era o fim. Mas foi uma percepção cultural, muito forte aqui no Brasil. Na França, por exemplo, isso não acontece. A mulher francesa madura é sensual, é sofisticada. Não precisa "adolescer" como aqui. As brasileiras, quando envelhecem, tratam de ficar bem loiras, queimadas do sol, e usar jeans apertado.
Donna - Você e o Alexandre estão juntos há mais de 20 anos. Qual é a fórmula?
Fernanda - Quem matou a charada foi minha sogra: a fórmula é rir. Lembro do meu sogro, que já faleceu, chorando de rir com a minha sogra. Eu e o Alexandre também somos assim. Nós rimos muito. Às vezes, fica até insustentável. É um deboche, um humor, uma ironia, uma coisa muito engraçada. A gente ri vendo televisão, a gente ri um da cara do outro, a gente ri muito.
Donna - Medo de ser trocada por duas de 20 nem pensar?
Fernanda - Duvideodó! Seria o maior susto da minha vida! Se o Alexandre me aprontasse uma dessas, eu teria que fazer uma ressonância magnética nele. Ele teria que estar ingerindo alguma substância muito estranha. Não tenho esse medo de jeito nenhum! (risos).