Julio Cordeiro/Agência RBS
No cartão de visitas, uma chama corta a primeira letra A do seu nome _ que, se durante a infância e adolescência rendeu brincadeiras, hoje a diferencia no seu negócio. O mercado de luxo não era o objetivo de Flama Savio, que acabou ficando na Arquitetura porque não conseguiu transferência de curso para Publicidade e Propaganda na faculdade.
– Mas as coisas foram acontecendo em função de escolhas na vida – acredita a gaúcha, arquiteta de lojas de luxo com flagships de marcas como Gucci, Armani e Louis Vuitton no currículo.
Em uma tarde chuvosa e fria, passamos cerca de duas horas cercadas por obras e exposições, os ângulos e a iluminação natural do museu Iberê Camargo, em Porto Alegre. O local foi sugerido pela própria Flama por ser tão internacional como a Europa, o que remete à feliz temporada de quatro anos em Milão, na Itália, onde as lojas de luxo começaram a fazer parte da sua vida.
O curso de arquitetura na UFRGS durou sete anos e meio para ser concluído, pois Flama considerava a experiência profissional muito importante: se virava com estágios na área e abraçava todo tipo de projeto, como montar maquetes de cenas crimes para um amigo advogado criminalista. Seu primeiro emprego formal foi na rede Sonae (mais tarde comprada pelo Walmart), onde projetava as lojas. Em 2006, Flama e o marido – que ela conheceu nos corredores da empresa – apostaram na ideia de morar na Europa e partiram de mala e cuia para a Itália. Ela tinha uma bolsa para cursar um master no Politecnico di Milano, e ele estaria mais próximo de realizar o sonho de abrir um restaurante.
Depois de trabalhar como vendedora em uma loja de sapatos e ser contratada para um escritório de arquitetura por um chefe que tinha morado no Brasil quando criança, Flama seguiu a indicação de uma amiga e candidatou-se a uma vaga em um escritório que fazia as lojas da marca italiana especializada em moda masculina Ermenegildo Zegna no mundo inteiro. E foi quando a marca deparou com um serviço que deixou a desejar na abertura de uma filial no Brasil que ela teve a noção do nicho de mercado a ser explorado por aqui.
O clima de crise na Europa e o otimismo no Brasil em 2010 fizeram o casal reavaliar as persperctivas de futuro (onde iriam, afinal, plantar raízes?) e, mesmo amando seu dia a dia, decidiram que era a hora de voltar a Porto Alegre. Ele sommelier, ela com muitos contatos _ Armani, Louis Vuitton, Gucci. As malas vieram de avião. Na bagagem com a qual embarcaram no cruzeiro o estilo vida que tinham em Milão: morar perto de tudo, andar mais a pé.
No ano passado, com seu escritório, tocou vários projetos ao mesmo tempo: entre janeiro e junho entregou lojas da Gucci, Armani Jeans, Louis Vuitton e Ermenegildo Zegna. Por isso, viajou até a 36ª semana de gestação de Helena, hoje com um ano. Mesmo assim, arrumou tempo para se preparar para o parto normal. Mas trabalhando por conta, pouco tempo depois já estava respondendo e-mails – na maioria em inglês e italiano.
– Ao mesmo tempo em que é um trabalho maravilhoso, porque é um mercado superpequeno no mundo inteiro, se tu te queimas com um é muito fácil de tu te queimares com todos. Então, tem que ter um cuidado muito grande – avalia a arquiteta.
O prestígio e o fascínio de trabalhar com marcas de luxo são proporcionais às exigências com a qualidade. Flama já acordou de madrugada, preocupada, e passou noites sem dormir ocupada com a finalização das lojas. Se as marcas têm seus fornecedores de materiais específicos, é Flama quem faz a montagem acontecer nos mínimos detalhes: às vezes adapta, "nacionaliza", mas sempre mantendo o padrão mundial:
– A loja tem que espelhar o produto que vende. O olho é clínico, tudo medido no milímetro.
Segundo Flama, as marcas de luxo são mais cobiçadas nos países emergentes, onde há mais desigualdade social.
– Quanto mais rico o país da Europa, por exemplo, menos se abrem lojas dessas. Tu tens que te diferenciares, e a marca de luxo serve muito pra isso, é acessível para alguns e não para outros.
As viagens são um capítulo importante na vida de Flama: Marrocos, Córsega, Grécia e África, para citar algumas. De tão especialista em encontrar coisas diferentes para ver e fazer, era referência em roteiros na Itália até para os amigos daquele país. Tantas experiências em tantos lugares acabam virando referências que a inspiram nos trabalhos para clientes brasileiros, nos quais é livre para criar.
– Tenho um estoque de inspiração muito grande. Muitas fotos, viagens. As coisas só viram referências quando estou trabalhando em um projeto e penso: 'Em uma viagem pra Bordeaux vi uma adega muito legal que poderíamos colocar aqui nessa loja'.