Pense no criado-mudo: uma superfície doméstica modesta que, apesar disso, retrata as aspirações, ansiedades e vontades humanas, ou seja, é uma bagunça.
Vejamos o emaranhado de eletrônicos e outros itens, por exemplo, que fica ao lado da cabeça de David Rose, de 46 anos, cientista visitante do Laboratório de Mídia do MIT, enquanto ele dorme - ou melhor, não dorme. O inventor da tecnologia "visível" (a chamada "glanceable technology"), que embute interfaces digitais em objetos como lâmpadas e armários, tem um monitor de sono Zeo; uma lâmpada Philips Sleep (que se apaga quando a pessoa fecha os olhos); um telefone sem fio; um iPhone; um alto-falante de base Bose que a mulher usa como carregador; um relógio de pulso e alguns livros. Tudo isso num espaço de 45 cm x 60 cm, multiplicado por dois, que são as mesas de cabeceira da Ikea que ele e a mulher têm há anos.
"É constrangedor", comenta ele, "porque faz vinte anos que usamos móveis que supostamente seriam 'quebra-galho'".
O verdadeiro problema, porém, não reside nos móveis, mas sim no que está sobre eles ou, como Alexa Hampton, presidente da empresa de decoração Mark Hampton, disse recentemente: "o choque dos eletrônicos com a nostalgia que ocorre toda noite é um grande desafio". Ela mesma mantém fotos do marido e dos filhos, além do iPad, um iPad Mini e o BlackBerry (que serve de despertador), cada um com seu carregador, além de uma confusão de apetrechos cosméticos como pinça, alicate de unha e espelho. Tudo isso, mais os óculos e uma pilha de livros, que ficam amontoados numa bandeja de prata.
"Como dá para ver, não é só um simples problema de tecnologia", resume ela.
Só que nos últimos cinco anos, foram justamente os eletrônicos que aglomeraram ainda mais o espacinho já bastante disputado e decoradores e fabricantes de móveis arrancam os cabelos para tentar dar um jeito na bagunça.
Robin Standefer, a cenógrafa que virou decoradora e que anda reinventando hotéis e interiores dos EUA à Argentina com o marido, Stephen Alesch, faz uma comparação: "É como aquele avião novo", diz ela, referindo-se ao Dreamliner da Boeing. "Tem um monte de eletrônicos e funções e não para de crescer. Eu tenho uma relação muito complicada com o meu criado-mudo. Queria algo que fosse uma coisa tranquila, serena; não queria levantar a cabeça para ter que ver o visor de um despertador."
Pesquisas sobre sono confirmam a invasão digital do quarto. No estudo mais recente feito pela Fundação Nacional do Sono, uma ONG norte-americana dedicada à "saúde do sono", feita em 2011, 72 por cento das pessoas disseram levar o celular com elas para a cama; 49 por cento levam o computador ou o tablet e 13 por cento, o leitor eletrônico. Em 2010, uma pesquisa da Pew Research descobriu que 90 por cento das pessoas entre 18 e 29 anos dormem com o celular ao lado da cama.
Os decoradores têm dificuldade de pôr essa área em ordem em parte porque preferem usar móveis sem gavetas (Celerie Kemble, decoradora de Manhattan, diz que prefere mesinhas de bistrô, tipo cabriolé e até mobília de jardim) em vez dos modelos tradicionais.
Ou, como diz Standefer: "Quero ver pernas e não um negócio quadradão".
Só que essa escolha, conclui Kemble, "resulta numa dúvida cruel: como esconder os eletrônicos. A maioria dos clientes tem iPad e Kindle, ou ambos, além de iPhone e BlackBerry. Sem contar o Invisalign, o protetor dental, a máscara para a apneia e o anticoncepcional, sim, porque você tem que conversar sobre controle de natalidade antes de comprar o criado-mudo. Os solteiros têm que ter lugar para as camisinhas. E os remédios, o Ambien e o Viagra? Os fones de ouvido? E para as horas de insônia, é sempre bom deixar um espaço para o bloco de papel e a caneta".
Para fazer caber tanta tralha, Kemble usa bandejas de prata, caixas de chá antigas, pequenos gabinetes e até escrivaninhas com filtros de linha nas gavetas. Para equipamentos maiores, ela sugere: "Que tal uma mesa de saia e uma bandejona onde dá para acomodar tudo e esconder na parte de baixo?"
Tiffiny Johnson, compradora da Design Within Reach, diz que o espaço é um desafio principalmente para os modernistas e minimalistas cujo ideal estético é uma mesa sem gaveta e um único livro sobre ela. "Com os novos aparelhos, temos que repensar o uso que o cliente dá para o móvel", explica ela. "Os livros estão desaparecendo porque todo mundo está migrando para os leitores eletrônicos e os aparelhos estão ficando cada vez menores. E tem também os fios. Temos que pensar nas saídas de energia."
Uma nova coleção criada por Jeffrey Bernett e Nicholas Dodziuk, que será lançada em agosto, oferece três opções: uma cama com gavetas embaixo e uma pequena mesa redonda conectada à lateral; uma cama com uma cabeceira grande e criados-mudos suspensos com gavetas e a terceira, "uma cama grandiosa", descreve Johnson, "com uma mesa de cabeceira mais tradicional, com espaços abertos e fechados, para coisas que não se quer que fiquem expostas".
William Georgis, arquiteto que cria ambientes modernos glamourosos para colecionadores de arte como Aby Rosen, explica que, de vez em quando, põe gavetas escondidas nas mesas de cabeceira que cria para os clientes. Por exemplo, na única gaveta do criado-mudo coberto de pergaminho e pés de bronze que fez para uma família, colocou uma extensão deslizante que escondia outra gaveta, semelhante aos compartimentos das escrivaninhas do século XVIII que escondiam as cartas de amor.
"Mas aí já é uma coisa completamente diferente", diz Georgis, "porque é como se você projetasse um brinquedo".
Maurice Blanks, um dos donos da Blu Dot, a fabricante de móveis contemporâneos exclusivos de Minneapolis, também oferece opções para todos os equipamentos que os criados-mudos têm que acomodar. No catálogo on-line da empresa, por exemplo, você fica sabendo que no Modu-licious (US$ 499) há espaço para seis edições da revista Architectural Digest e várias mordaças de bola, acessório para a prática de sadomasoquismo.
"A maior parte das nossas discussões gira em torno do espaço reservado para guardar coisas", declara Blanks. "O pessoal anda passando mais tempo no quarto e o comportamento no quarto mudou muito. O modernismo anda bem menos dogmático nos últimos dez anos. O cliente quer algo moderno e funcional. Aquela mesinha pedestal perfeita com um único livro já não atrai ninguém."
E ele acrescenta que a tecnologia está mudando tão rápido que a melhor coisa que os fabricantes de móveis têm a fazer é abordá-la da forma mais generalizada possível - com espaço para os fios, por exemplo, criando um buraco na parte de trás de uma gaveta ou prateleira, mas nada tão específico como um dock embutido para que a peça continue em evidência daqui a dez anos.
Para os cientistas sociais, o quarto é um espaço honesto porque é particular. Você pode mostrar o melhor de si (ou aquilo que quer que os outros vejam) na sala de estar, mas é no quarto de dormir que sua verdadeira identidade vai aflorar.
E o que podemos concluir do criado-mudo de Rose, o cientista do MIT? A abundância de eletrônicos indica que tanto ele como a mulher têm sono leve. Rose chama o monitor Zeo de "pequenininho", o assistente que transforma o sono em jogo. (Esse tipo de monitor mede os estágios do sono e gera um "placar", ele explica.) "Eu quero muito dormir direito", ele confessa. "Quero manter o padrão."
Eliminadores de bagunça como Leslie McKee, organizadora profissional de Pittsburgh, encaram os aparelhos de ajuda para curar a insônia com o mesmo desprezo que têm em relação a produtos muito elaborados. "As coisas que inventam para ajudar a dormir, mesmo que seja um gerador de ruído branco, só geram mais bagunça e dificultam o sono", ela dispara. "Quem está exausto já perde a energia só de olhar para tudo aquilo ao lado da cama. O negócio é apostar na simplicidade."
Ela prossegue: "Podemos sugerir uma cesta para todos os eletrônicos, fazer um buraco para esconder os fios, mas tudo isso dá a ideia de exagero, do excesso que você não quer interferindo no seu espaço. Tudo bem, há 1.500 livros no seu Kindle; eliminou parte da bagunça, mas ainda há um abismo entre o que se pode fazer e o que está sendo feito. Geralmente eu pergunto para o cliente: 'O que a sua avó tinha na cabeceira da cama dela?'. Uma toalhinha de crochê, uma foto, alguma coisa que a fizesse feliz. Pense nela e veja se dorme".