“Mas o que eu vou fazer se ficar sozinha?” me perguntou ela, enfurnada num casamento que já tinha virado outra coisa, coisa nenhuma, um esconderijo.
Comecei dando sugestões práticas: criar várias playlists no celular, mergulhar nos livros e viver todas as vidas que de outra forma ela não viverá, viajar para algum lugar que ela sempre quis conhecer, chamar cada uma das amigas para uma conversa íntima sem hora para acabar, fazer uma oficina de literatura e transformar em prosa a sua história, visitar as exposições que a cidade inteira comenta, começar a se exercitar a sério. Mas será que esta lista prosaica, nada original, seria suficiente para ela entender que a solidão pode ser repleta de acontecimentos?
Acrescentei, claro, que nada impedia que ela iniciasse uma nova relação, menos algemada a contas conjuntas, rotinas familiares e planos a longo prazo, um engate sem tornozeleira eletrônica, um namorado para as próximas 24 horas, com renovação automática a cada manhã, se fosse bom para os dois. Mas confiança não era o forte dela. Não acreditava quando eu dizia que pessoas maduras têm tanta ou mais facilidade para namorar do que os jovens. A neura dela era ficar solteira em uma sociedade machista, em que os pares ainda valem mais do que os ímpares.
É uma cilada acreditar nisso. Porque a mulher vai se acomodando e perdendo oportunidades de renascer a cada novo desejo, que não precisa ser o desejo por outra pessoa, mas o desejo de ser mais livre, mais ela mesma. Até os índices de feminicídio poderiam cair se a gente entendesse que não é obrigatório formar um casal. Ninguém é sozinho, há um povaréu dentro de cada um. Que se pense bem antes de render-se ao casamento apenas por uma exigência social que interessa ao status quo (casados são ordeiros, formam família, consomem por quatro).
O amor é uma elegância em nossas vidas, não pode virar um sacrifício sustentado por filmes e livros que contam histórias românticas tendenciosas. Até a bossa nova nos deu um hino que mais parece uma sina: “é impossível ser feliz sozinho”. O marketing pró-acasalamento é milionário, glamouroso e distribui prêmios. Porém, a agenda da solidão não traz páginas vazias. Há também jantares, shows, viagens, cursos, beijos, trabalho – e descanso, dorme-se melhor. Mais que isso, há tempo para o silêncio, para a paz das leituras demoradas, para a música que toca noite adentro, para o convívio com nossa alma em estado puro.
Eu consegui um feito: levei minha solidão para dentro do meu namoro e ela foi recebida de braços abertos. Mas não é assim que funciona com a maioria dos casais, onde a solidão de um extermina a solidão do outro. Depois se perguntam como é que pôde ter dado errado.