As livrarias mais encantadoras nasceram do sonho de alguém. Não deixam de ser um negócio, claro, mas foram concebidas, antes de tudo, como realização de um projeto pessoal, uma declaração de amor à cidade onde abriram suas portas.
Tornaram-se reais através do desejo de se ter um lugar para fugir do que é hostil e estéril. São livrarias idealizadas mais pela inocência do que pela ajuda de uma calculadora.
Livraria de verdade precisa ter o cheiro do tempo. Não pode ter iluminação hospitalar. Nem muito espaço para caminhar. É preciso que o cliente se esgueire entre as estantes, esbarre em preciosidades, tropece em edições de 20 anos atrás.
Chão de porcelanato não é bom sinal. Queremos madeira, pisos cerâmicos, tapetes gastos.
Livrarias que honram seu nome precisam dedicar-se à arte de acolher e seu compromisso com a assepsia pode ser flexível. Ninguém vai morrer se houver um pouquinho de poeira, o que são dois ou três espirros?
As livrarias da minha imaginação têm claraboia, abajures, plantas, um gato preguiçoso, poltronas, escadas misteriosas, aroma de café, jazz ao fundo, empregados bem idosos e jovens estudantes. E têm, você não vai acreditar: livros.
Não apenas os últimos lançamentos e best-sellers. Livros! Livros desabando sobre nossas cabeças, empilhados nos cantos, desalinhados nas prateleiras, livros em idiomas diversos, livros que você um dia não pôde comprar por não ter dinheiro (faz de conta que hoje tem), livros difíceis de encontrar, livros que acabaram de sair da gráfica, livros de autores que já morreram (mas que nunca morrerão), livros clássicos e revolucionários, livros bons, livros ótimos e os fenomenais.
De onde saiu essa nostalgia toda? Foi despertada pela história de Sylvia Beach, que fundou a icônica Shakespeare and Company nos anos 20 do século passado, em Paris (décadas antes de a loja ser transferida para as margens do Sena e ter virado o ponto turístico que é hoje).
A despeito das facilidades digitais, você também ama livrarias? Então, leia A Livreira de Paris, de Kerri Maher. É uma viagem. Espirrei algumas vezes e fui muito feliz durante a leitura.
Daqui até o fim do ano percorrerei eventos literários Brasil afora para lançar minha nova coletânea de crônicas, o que sempre dispara meus batimentos cardíacos.
Na próxima quarta-feira, dia 30, autografarei Conversa na Sala em uma das minhas livrarias preferidas do Rio de Janeiro, a Travessa, em Ipanema, com seu chão de azulejos portugueses, mesão de madeira ao fundo, poltronas de couro, funcionários que entendem do ramo e uma clientela de fé. Se você estiver por perto, te vejo lá às 19h, para as selfies invariáveis e para fugirmos juntos do que é hostil e estéril.