Faço parte de um grupo de amigas desde o tempo do colégio, somos 10. A gente se conhece pelo avesso.
Elas sabem, por exemplo, que não sou fã de presentes coletivos, contrariando a lógica, pois fazendo uma vaquinha, se pode dar algo melhor para o aniversariante. Mas a lógica quase nunca é divertida. Prefiro ganhar vários badulaques a uma joia, já que, se eu não gostar da joia, será perda total. Está bem, sei que parece um despautério, mas eu nunca prometi ser absolutamente sensata.
Há uns 20 anos (amizade longa, lembra?), convidei a turma para vir em casa no dia do meu aniversário, só elas. Surgiram com um único presente. Era um twin-set azul-clarinho, de grife. Twin-set é um conjunto de blusa e casaquinho. Azul-clarinho. Eu teria trocado por nove camisetas básicas e brancas.
A gente pensa que as amigas de infância poderiam escrever nossa biografia, mas ninguém nos conhece 100%. Azul-clarinho, se tem cabimento.
Nenhuma das minhas amigas ficará magoada com este relato, a história já virou piada entre nós
Troquei pelas nove camisetas? Não. A blusa e o casaquinho ficaram no armário por incontáveis invernos, pois não troco presentes. Acredito que um presente “errado” é sempre uma oportunidade de a gente ser outra pessoa, ao menos por um dia. Pensei que esse dia chegaria. Um chá no Palácio Piratini. Um torneio de canastra no clube. A missa de sétimo dia de uma freira. A ocasião nunca chegou, então doei. Nenhuma das minhas amigas ficará magoada com este relato, a história já virou piada entre nós. No máximo, hoje irão pegar no meu pé no nosso grupode WhatsApp.
O mesmo aconteceu uma vez que minha mãe me deu um colar de pérolas muito lindo e muito estranho, eu não conseguia usá-lo. Passei anos com ele na gaveta e ela insistindo para eu trocar, que não se ofenderia. Desta vez, teimei e me dei bem.
Uns oito anos depois, amadureci, reconheci sua excepcionalidade e nunca mais o tirei do pescoço.
Não troco presentes também, porque acho constrangedor ir até a loja e perguntar quanto custou – para trocar por outra coisa, terei que saber o valor. Além disso, sou preguiçosa, e a passagem do tempo só tem agravado esse pecado capital. Então fico com tudo que ganho, na esperança de que um dia o presente vá combinar com meu estilo (se um dia eu mudar de estilo), vá combinar com minha casa nova (se um dia eu tiver uma casa nova), vá ficar de herança para minhas filhas (se um dia eu vier a falecer). Nem livro eu troco, passo adiante.
Desculpe a banalidade do assunto, mas tenho dois motivos pra recorrer a ele. Um é que não consigo mais escutar, ler ou escrever uma linha sequer sobre o coronavírus ou sobre o Bolsonaro. Chega uma hora em que é preciso um detox para salvaguardar nosso bem-estar mental.
O segundo é que meu aniversário está chegando: gurias, juízo.