Se mordomia fosse mais importante pra mim do que liberdade, teria morado na casa dos meus pais até casar.
Se depois de 17 anos de casados, eu e meu marido não tivéssemos reavaliado nossa escolha e nos separado, não teríamos vivido outras importantes relações amorosas. Se depois de uma década trabalhando em agências de propaganda eu não tivesse perdido o entusiasmo pela publicidade, não teria me arriscado a escrever para jornais.
Se depois de duas décadas escrevendo para jornais eu não tivesse sentido o tédio batendo à porta, não teria arriscado ter um canal no YouTube e escrever um roteiro de cinema. Que sorte eu não ter sido feliz pra sempre.
Tenho muito a agradecer aos meus dias ruins. Foram os choros silenciosos, abraçada ao travesseiro, que me colocaram contra a parede: “Por que você está se submetendo a essa dor?”. Ter ido atrás da resposta me fez movimentar a vida e trocar de planos.
Quando meu coração esteve apertado, não agendei exames cardíacos: recorri à poesia. Se compus alguns versos bem escritos, devo às angústias das paixões mal concluídas.
Cada vez que fui rejeitada, desenvolvi a humildade e reforcei meu lado bom.
Ando serena há bastante tempo, desde que aprendi que a felicidade instagramável é uma busca utópica e meio babaca: como ser feliz num país em desconstrução e com uma desigualdade indecente entre seus habitantes? Como ser feliz, se além do país à deriva, ainda temos que nos acostumar agora com novas regras de conduta social? E, saindo do geral para o pessoal: insônias, dívidas, desilusões, discussões. Como?
O meu “pra sempre” nunca foi feito de linhas retas nem de velocidade constante, e é por isso que minha sorte tem durado um bocado.
O único jeito que conheço: desenvolvendo desde cedo o que se chama hoje de inteligência emocional, um guarda-chuva de múltiplos significados, mas que pra mim se resume a usar a finitude a nosso favor. Vamos morrer – não agora, não de covid-19 (sou otimista), mas um dia, aquele dia que otimismo nenhum adia. Então, qual o sentido de obstruir ainda mais a vida? As pessoas fazem drama por bobagem, são competitivas, se acham melhores do que são, executam tarefas de forma relaxada, não assumem seus erros, não cuidam de seus afetos e reclamam, reclamam, reclamam. A cada manhã recebem o novo dia com pedras na mão.
Tenho também meus momentos em preto e branco, mas não desapareço de mim. Se for uma incomodação pontual, leio um livro, vou dar uma caminhada, espero o dia terminar. Se for mais grave, tento terapia, converso com amigos, faço mapa astral, ritual xamânico, troco os móveis de lugar, troco os pensamentos de lugar. Me desacomodo. Uso a instabilidade para inaugurar uma estabilidade nova em folha, outra versão da mesma vida. O meu “pra sempre” nunca foi feito de linhas retas nem de velocidade constante, e é por isso que minha sorte tem durado um bocado.