Faz bastante tempo. Estava na fila da bilheteria de um museu em Paris e, quando chegou minha vez de ser atendida, a primeira coisa que eu disse foi "one ticket, please". A atendente olhou fundo nos meus olhos e, fazendo uma mesura com a cabeça, respondeu com um sorriso cínico: "Bon jour, mademoiselle".
Eu não preciso pensar como você, nem você como eu, posso te cumprimentar e logo em seguida discordar de suas ideias, e você das minhas, e isso não faz de mim uma ignorante, nem de você. Somos bilhões de diferentes, e o assunto aqui nem era sobre diferenças, e sim sobre os simples gestos que tornam a vida ligeiramente mais agradável para todos. Era isso. Obrigada. Bom dia.
Eu era uma menina e não sabia nada. Aquele "bon jour" significava muito mais do que "bom dia". Significava: "Não te ensinaram em casa que se deve cumprimentar as pessoas antes de falar com elas?" Significava: "Não passa pela sua cabeça que talvez eu não fale inglês e que seria mais educado você pedir licença antes de se dirigir a mim em outro idioma?". Significava: "Mesmo que você saia daqui blasfemando contra a arrogância dos franceses, aprendeu a lição?"
Oui, madame. Sou grata até hoje, mesmo a senhora tendo me humilhado na frente de todo mundo - a humilhação é didática. Mas, cá entre nós, não precisava tanta frescura, era só receber meu dinheiro, entregar meu ingresso e sorriríamos uma para a outra com a simpatia de quem nunca mais se veria na vida, e eu continuaria sendo um doce de garota, apenas um pouco distraída, só isso.
Minha defesa é boa (somos sempre os melhores advogados de nós mesmos), mas não me inocenta. Essa coisa de chegar atropelando, fazendo pedidos como se fôssemos os reis do universo, indo direto ao assunto sem antes um olá, um tudo bem, um como vai, faz parte do manual de péssimas maneiras. Vale para qualquer contato: com o porteiro, com o garçom e até com os nossos íntimos - intimidade não é álibi para grosserias. Tenho um amigo que, quando me telefona, não se identifica nem pergunta se estou ocupada, sai falando como se eu tivesse obrigação de reconhecer sua voz e como se nossa última conversa não tivesse ocorrido três meses atrás e sim há três minutos (é, você mesmo, estou dando uma de francesa aqui e puxando suas orelhas em público, mas não deixe de me ligar, vamos rir disso tudo, talkey?).
Acabei de voltar de Paris e espalhei por lá uns 5.890 bon jour e outros tantos milhares de bon soir e mais uma tonelada de merci, s´il vous plait e excuse moi, que são os passes livres para um atendimento cordial e para ter a sensação de que alguma coisa decente ainda resta nestes tempos em que ser agressivo parece a única forma de se comunicar - o diálogo, o bom humor e a ponderação sumiram do mapa. Eu não preciso pensar como você, nem você como eu, posso te cumprimentar e logo em seguida discordar de suas ideias, e você das minhas, e isso não faz de mim uma ignorante, nem de você. Somos bilhões de diferentes, e o assunto aqui nem era sobre diferenças, e sim sobre os simples gestos que tornam a vida ligeiramente mais agradável para todos. Era isso. Obrigada. Bom dia.