No final de 2017, estava fora de Porto Alegre e não pude assistir ao show que Caetano Veloso fez ao lado dos filhos Moreno, Zeca e Tom. Pra minha sorte, a turnê tem sido tão exitosa que eles retornaram à cidade um ano depois e pude, em dezembro de 2018, assistir a Ofertório. Já vi Caetano cantando com os Doces Bárbaros, com Jorge Mautner, com Gilberto Gil, e muitas vezes sozinho, sempre comovente. Mas, desta vez, knock-knock-knockin' on heaven's door. Acesso ao paraíso.
Entre uma música linda e outra ainda mais bela, fiquei olhando para aquele garoto de 76 anos que viveu, que amou, que deu tanto ao Brasil, e baixou em mim uma espécie de orgulho alheio. É muita bênção poder subir ao palco acompanhado de seus três filhos e cantar junto com eles as passagens de cada etapa de seu crescimento. "Eu vi um menino correndo, eu vi o tempo." O tempo. O quinto elemento do show.
Instrumentistas, compositores, intérpretes: os quatro são tudo e são unos. A mesma sensibilidade e elegância. Quatro talentos a serviço da doçura, da sofisticação, da poesia. E pra contrabalançar o sublime, são homens de convicção, contestação. Sem fúria, mas com bravura, quatro homens inteiros, cada um doando o seu pedaço de vida até aqui.
Foi tão bonito. Tão bonito.
Mães carregam (arrastam!) seus filhos, são exaltadas, amam fazendo barulho. Pais são mais sóbrios, amam com sutileza, dão a mão. Eram, ali no palco, um pai cheio de ternura e três filhos discretos, mas nada disso impedia que dançassem, rissem, se posicionassem. Parceria que não nasceu de um contrato em três vias, e, sim, parceria gerada nas canções de ninar, nos castelos de areia na praia, em tardes chuvosas assistindo a um filme na TV. Uma banda chamada família. Brincando de serem os novos baianos, os novos Caymmi, os novos Jackson Five – os novos eles mesmos, instalando no palco a sua sala de estar.
No show, a parte mais conhecida da playlist é elevada à quarta potência. Leãozinho, de letra tão simples, amplifica-se no verso "de estar perto de você e entrar numa". Força Estranha fica mais forte ainda no verso "por isso essa voz tamanha". Trem das Cores cresce no verso "de um azul celeste celestial". Foi mesmo como bater às portas do céu, lá onde mora o sagrado, o divino maravilhoso.
Essa rasgação de seda não é apenas pela música (ainda que, só por ela, já se justificaria), mas porque, por meio dela, demonstrou-se possível a utopia de pacificar passado e futuro, unificar gerações, dar à família um sentido de fortaleza, o que nunca é fácil, sendo uma instituição diversa e tão caótica. Portar o mesmo sobrenome não é garantia de nada, mas portar-se com dignidade diante do belo e daquilo que nunca envelhece coloca o mundo de joelhos. Vida, doce mistério.