Quando eu era adolescente, a escrivaninha do meu quarto ficava encostada contra uma parede onde havia uma janela que dava para a rua. Entre mim e o mundo haviam persianas feitas de lâminas horizontais que ocultavam o que acontecia lá fora, a fim de que eu pudesse me concentrar nos estudos do colégio. Mas, de vez em quando, eu abria um espaço entre uma lâmina e outra para espiar.
Era através dessas frestas que eu reparava num garoto que morava quase em frente. Ele entrava e saía de sua casa, andava de skate, se reunia com os amigos do quarteirão. E eu ali, escondida atrás das persianas, observando e sonhando. Inventei um romance entre mim e ele pelas frestas. Muitos anos depois, a realidade atravessou a janela e a história aconteceu pra valer, mas esse tempo também já acabou.
O que não acabou foi essa mania de abrir um espaço para ver o que acontece do outro lado da vida, quando eu deveria estar atenta apenas ao que acontece bem na minha frente.
Frestas. Pequenas aberturas necessárias para fazer contato com a imaginação, com a fantasia, com o que, estimulado pela curiosidade ou pela fé, pode se tornar menos impossível do que parece.
Abro a página de um livro e ganho o universo. Ouço cinco minutos de música em meio ao expediente e já troco de ânimo. Envio um e-mail audacioso para uma colega e passo a participar de um projeto. Basta uma pequena quebra de rotina, mudar de tom, arriscar um sim. O sim é a fresta necessária entre lâminas e lâminas de nãos. O não bloqueia a vida sonhada.
Às vezes parece que já está tudo escrito, o destino determinado. É desse jeito, dessa forma, não invente coisa, está bom assim. Apenas respire e vença os dias, um após o outro. As persianas estão fechadas protegendo você dos raios ultravioletas, dos temporais, das tentações, de tudo o que existe do lado de lá, onde você não está. Aquiete-se. Nada de mal pode lhe acontecer, querida.
Mas nada de bom também, se a gente não teimar.
Então procuro escutar além do que ouço, enxergar além do que vejo, acreditar no que vai além do racional. Com a ponta dos dedos, separo uma lâmina da outra para descobrir de onde virá o indefinido, aquilo que ainda não existe senão como possibilidade, o big bang que será capaz de produzir um novo mundo, a explosão que sinalizará que é hora de zerar o cronômetro e recomeçar a contagem do tempo.
Estamos terminando dezembro. E se, em vez de falar de Natal, que é sempre igual, a gente abrisse pequenos vãos por onde alguma novidade possa entrar e tornar a vida menos repetitiva? Eu, que não suporto trocadilhos, até a eles estou recorrendo para fugir da mesmice: boas frestas para todos.