O air bag pode quebrar um braço. É como receber um soco no nariz. Eram histórias assim que eu escutava. Quando passava com o carro por cima de buracos, rezava para o air bag não se confundir e saltar de dentro do volante feito um Rocky Balboa. Pensava: qual o nível de impacto necessário para o air bag disparar? Será que ele infla com rapidez suficiente? Imaginava o air bag como uma espécie de paraquedas cuidadosamente dobrado que, durante um choque violento, desabrocharia feito uma flor em fast forward – mas será que dobraram direito este treco, não estará todo amarrotado, será mesmo que funciona? O tipo da pergunta que a gente prefere não conhecer a resposta.
Até que, numa manhã de segunda-feira que tinha tudo pra ser como outra (o que incluía uma ida a São Paulo à tarde para uma palestra), tirei meu carro da garagem, coloquei o cinto e dirigi até a esquina de casa, onde dei uma paradinha para entrar em uma rua de mão dupla, preferencial. Olhei para um lado, ninguém vinha, olhei pro outro, ninguém também, e comecei a dobrar lentamente à esquerda, com a minha cabeça ainda voltada para a direita – ahá. Quando me virei, na minha frente estava um carro surgido do nada, fruto de um ponto cego. Não houve tempo pra pensar. O air bag já havia estourado dentro da cabine, e a fumaça se espalhava.
Quando o cérebro voltou a funcionar, meus pensamentos eram uma maçaroca. Como estará o outro motorista, vou perder o voo, alguém desligue essa buzina irritante, o cara vai berrar comigo e vou chorar, meu cabelo tá uma droga, minha filha deve ter escutado a batida lá de casa, pra onde eu tava indo mesmo, como foi que não vi, de onde conheço esse guri me oferecendo ajuda, putz, tô chorando, alguém dá um jeito nessa buzina maldita, não machucou mesmo, moço? Tem que chamar o EPTC, tenho que avisar o pessoal de São Paulo, ufa, a buzina parou, preciso de um homem, droga de feminista que eu sou, esse para-choque é seu ou meu, de onde saiu esse copo d´água, tenho, tenho seguro, não, não sou a Martha nem conheço.
Tonta. Burra. Assustada. Aquela no meio da rua, ao lado de um carro em frangalhos, que daria em perda total, era eu mesma. Sem um único arranhão.
Se o air bag é um soco? A não ser que eu também tenha tido perda total da memória, não lembro de ter sido agredida. Fui é salva por ele, que me envolveu antes que eu entendesse o que estava acontecendo. Não cheira bem, murcha rápido, te deixa zonza. Não é a descrição ideal de um namorado, mas passamos a ter um caso de amor. Desde 2014, o air bag virou item obrigatório em todos os carros novos do país, mesmo os populares. Amém, pois quando menos se espera, a gente pode precisar dele na esquina de casa, numa segunda-feira qualquer. Entrou na minha lista das maiores invenções do século 20, ao lado do avião, do computador e do secador de cabelos. Lembrei: estava indo ao cabeleireiro.
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