O cinema cumpre sua função quando nos deixa sem palavras, arrebatados. Porém, mesmo que as palavras pareçam insuficientes, tentarei contar um pouco do que senti quando eu estava no escuro da sala do cinema, de frente para Timothée Chalamet, que eu nunca tinha visto atuar (e nem sei se ele estava atuando, pois dizem que o verdadeiro ator não atua, ele é o personagem). Então, corrigindo: estava eu ali diante de Elio, um garoto de 17 anos passando um verão tedioso em uma vila italiana, matando o tempo ao piano, lendo um livro atrás do outro, tomando banho de rio e iniciando-se sexualmente com uma garota da idade dele, até que surge Oliver, 24 anos, um americano que passará seis semanas como hóspede na casa da família de Elio. E acontece o incontrolável: um sentimento.
O filme Me Chame pelo seu Nome mostra o nascimento de um amor livre de qualquer interesse, de qualquer vaidade, de qualquer carência. Não é o amor encomendado a que nos habituamos, aquele que chega e nos encontra predispostos a acomodá-lo numa idealização prévia, aquele que se apresenta e a gente o captura para que acalme nossa ansiedade. Não é o amor que vem com certificado de adequação e longevidade. O filme mostra o amor em seu estado mais puro e livre. O amor que não leva em conta idade, gênero, futuro. O amor que não cabe em um projeto de vida. Ele apenas é o que é. Um sentimento que sai pelos poros, embevece o olhar e transfere a nossa alma para o corpo do outro.
Nenhum “eu te amo” é capaz de traduzir essa epifania. O casal do filme, Elio e Oliver, dizem “eu te amo” sem dizê-lo, dizem de outra forma, apenas trocando de nome, fundindo suas identidades. Elio chama Oliver de Elio. Oliver chama Elio de Oliver. O “você” desaparece para existir apenas um “eu” agigantado pela existência do outro. Não é isso que esperamos do amor? Que ele nos dilate, nos torne maior, melhor? O “dois em um” levado à última consequência. Você é eu, eu sou você. Me chame pelo seu nome.
Pode acontecer entre um homem e uma mulher, mas no filme acontece entre dois homens, o que é um convite para eliminarmos qualquer resquício de homofobia e entrarmos de verdade numa nova era, onde dois corações possam se conectar independentemente da anatomia dos corpos que os revestem.
O diálogo final entre Elio e seu pai é o ponto alto do filme e é de comover até um muro de pedras. É comum dizermos para nossos filhos, a título de consolo: não sofra. Nem reparamos que estamos induzindo a uma repressão. Que pai teria coragem de insuflar seu filho a usufruir plenamente de seu sentimento, de estimular a intensificação deste sentir, mesmo que seja algo doloroso?
Se o filme pudesse ser resumido numa frase, seria: “Sinta, pois nem todo mundo teve esta sorte”.
Palavras, palavras, que importam? Sentir é o que basta.
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