Nem duas, nem três: são muitas as pessoas que têm medo de palhaço, ou tiveram, quando crianças. Não lembro se eu tinha também, mas não me sentia confortável na presença deles. Em primeiro lugar, porque acho desagradável ter a obrigação de rir. Fico gelada quando alguém pergunta: “Conhece a piada do...?”. Ai, meus sais. Geralmente digo que conheço e pulo para o próximo assunto, mas certos momentos exigem bons modos e a gente então escuta e oferece aquele hahaha amareladíssimo. Torço sempre para que o contador seja excepcional, porque é ele que torna a piada boa ou não.
Mas voltando ao palhaço. Além de ele personificar a obrigação do riso, ele me parecia apenas um bobão que tratava a todos como crianças, e eu não queria saber dessa condescendência. Balde com água de papel picado? Acho bonito e poético, desde que eu esteja assistindo ao espetáculo Fuerza Bruta ou qualquer outra encenação adulta. Eu devia ser meio piradinha, mas o fato é que sempre considerei performance de gente grande mais divertida, tanto que meus palhaços preferidos são Woody Allen, Lenny Bruce, Monty Python, a turma do Porta dos Fundos e, aproveitando a deixa para homenageá-lo, Jerry Lewis, que acabou de sair de cena.
O único palhaço de circo que eu gostava não trabalhava em circo, mas na tevê: Renato Aragão. Sim, eu gostava dos Trapalhões, mesmo eles sendo politicamente incorretos, ou talvez por isso.
Pra terminar minha lista de implicâncias, havia o fato de o palhaço estar sempre paramentado com aqueles suspensórios caretas e aquele nariz vermelho manjado – a Lady Gaga, em início de carreira, tinha mais criatividade. Já o disfarce do Batman eu curtia, pois o traje de vinil preto, com capa, me parecia cool e sexy. Piradinha e depravadinha.
Bozo? Fala sério.
Mas fui conferir Bingo, o Rei das Manhãs, porque o cinema é uma fantasia que me interessa, e adorei o filme, que vai muito além da mera biografia. Vi ali um homem. Adulto. Impulsivo. Atrevido. Alterado. Valente. Maluco. Um cara que se joga, que se dá bem e que se dana. Que tem uma história, e ela não é uma piada.
Além da atuação intensa e apaixonante de Vladimir Brichta, o filme ajuda a matar a saudade de Domingos Montagner, que muito antes de ser galã da Globo trabalhava como palhaço e dignificava ainda mais essa profissão – o palhaço é um artista. O problema sou eu, que, mesmo tendo sido uma menina feliz que usava maria-chiquinha, que andava de bicicleta, que adorava boneca, que brincava no mar com uma planonda vermelha e que lia gibis, já estava de olho na vida adulta, onde o picadeiro é bem mais amplo, o texto bem mais longo e a graça e a desgraça dão-se as mãos sem marmelada.