Você não simpatizava com o cara. Ele havia sido desagradável com você algumas vezes e a distância foi uma solução civilizada. Todos sabiam que vocês não se bicavam. Aí ele morre. Você vai para as redes sociais dizer "foi tarde"?
Você odeia um determinado partido político e não aceita que alguém se posicione de forma diferente da sua. Você rejeita tudo o que se refere a esse partido, incluindo os seus milhões de eleitores, mesmo que alguns deles sejam seus amigos de infância. Inclusive rejeita o que a legenda fez de bom, a despeito das roubalheiras clássicas. Aí morre a esposa do líder desse partido que você abomina. Você vai para as redes sociais comemorar?
Ou, então, morre o ex-marido de uma expoente deste partido que você não suporta. Você usará as redes sociais para chamá-lo de bandido?
David Bowie, Mary Tyler Moore, Belchior, Luiz Melodia: ícones que, assim que morreram, foram aclamados com milhões de RIP (rest in peace) na timeline de meio mundo. Já quem não gostava deles, ou não os conhecia bem, dedicou-lhes o seu silêncio. Não demonstrou comoção nem saudade, ficou na sua.
Só aos artistas é ofertada essa fineza, e olhe lá (se Chico Buarque tivesse hoje o mesmo destino – toc, toc, toc –, não faltaria gente soltando foguete e fazendo piadinha infame). É o que deduzi depois de ler algumas mensagens postadas no último fim de semana por ocasião da morte do ex-marido de Dilma Rousseff.
A morte é o fim. Uma condenação perpétua que chegará para todos – e todos têm a mesma importância para quem fica. A morte pode ser um alívio apenas para quem parte, no caso de estar lutando contra uma doença terminal, mas sempre abrirá uma cratera no peito de seus parentes e amigos, e essa lacuna é sentimental, de ordem íntima, e não pública. Só um espírito de porco sapateia sobre o sofrimento de outra pessoa, só alguém muito mesquinho vai para as redes sociais expor seu desrespeito à dor alheia a fim de conquistar uma visibilidade sórdida, buscando uns likes ou uma polêmica.
Vale para Carlos Araújo, Marisa Letícia, Ruth Cardoso, o filho do Alckmin. Morte é assunto sério. Talvez o último assunto sério nestes tempos em que um celular na mão se tornou o tribunal de todas as causas, em que qualquer um diz o que bem entende, sem cuidado de nenhuma espécie, sem esperar o corpo esfriar, negando à família "inimiga"um instante que seja de paz. Em nome de quê? Da liberdade de expressão?
Só pode ser em nome de um profundo vazio existencial que é preenchido com agressividade e estupidez impulsivas. Calma, gente. Ao menos durante o luto, guardemos para nós mesmos a nossa imprescindível opinião.