Não sou muito fã de selfies porque, como se sabe, de perto ninguém é normal – a distância sempre induz a uma avaliação mais favorável. Uns dois metros pra trás resolveriam o problema (o problema da espinha no queixo, da cara de sono, daquela pelancazinha danada no pescoço), mas a ordem é ficarmos todos embolados uns nos outros. Chegue aqui, dê um abraço e olhe pra câmera. Agora sorria.
Pronto. Somos dois enquadrados no mesmo click. O grude é obrigatório. O braço estendido e o celular virado pra você e seu mais novo amigo de infância é uma declaração ao mundo: não sou um desgarrado, não sou um papagaio de pirata, não sou um desconhecido que estava passando – eu e a figura aqui somos assim, ó (os dois dedos indicadores lado a lado se roçando).
Leia todas as colunas de Martha Medeiros
Selfie, basicamente, é isso: um testemunho de intimidade – se ela existe, de fato, são outros quinhentos. Confesso que já paguei alguns (poucos!) micos ao lado de artistas que admiro. Quem nunca caiu em tentação, tendo a facilidade de um registro para a posteridade? Hoje em dia, faria uma selfie com o Papa Francisco fácil, fácil. E com qualquer um dos Beatles e dos Stones. E com aquele cineasta octogenário, baixinho e de óculos que todos sabem que eu venero. Aliás, com qualquer ganhador do Oscar, incluindo OJ Simpson, o negrão cujo julgamento foi tema do documentário premiado este ano.
Ops.
Derrapei no politicamente incorreto? Não deveria ter usado a palavra negrão?
Pra muita gente, a derrapagem teria sido só esta, pois se há quem tire selfie com Eike Batista, com o goleiro Bruno, com o Guilherme de Pádua e outros célebres, uma selfie com um ex-astro do futebol americano (que matou duas pessoas, mas isso é um detalhe bobo) seria mais que compreensível. Caso não tenha ficado claro: esse último exemplo foi apenas para provocar.
Você é íntimo do seu irmão, e também do seu amigo Zé e, claro, da sua cara-metade, mas você não quer passar a vida postando fotos apenas com eles, e sim com algum homem ou mulher que tenha escapado do anonimato e se tornado "alguém". Se essa criatura costuma aparecer na tevê e você aparece junto com ela na sua página do Face, está feita a ponte: você também passa a ser um pouquinho especial.
Nunca foi tão fácil romper a barreira da invisibilidade, basta um breve momento de tietagem com um ator famoso, um músico famoso ou um assassino famoso. Numa época em que valores essenciais caíram em desprestígio, alguém vai se preocupar com critérios éticos e perder a oportunidade de causar?
Uns e outros se diferenciam, mas a sociedade, como um todo, está mal na foto.