Neste domingo, Porto Alegre está de aniversário. Acenda uma vela. Duas. Três. 245 velas. Talvez elas bastem para iluminar a sua rua, ao menos a sua rua. Aqui perto de casa, teríamos que acender 3 milhões de velas. Um breu.
Porto Alegre, depois que o dia cai, é mais que noturna: é soturna. Eu, intrépida, ainda tenho coragem de sair à noite, mas, nos poucos bairros em que circulo, deparo com um cenário melancólico: um poste de luz aqui, outro acolá, e no espaço entre eles, não sei, não dá pra ver.
Difícil comemorar esses 245 anos em pleno blecaute, não apenas literal, mas metafórico. Feito cabras-cegas, estendemos os braços à procura da nossa ex-alegre cidade, mas tropeçamos em calçadas esburacadas, entramos em ruas sem sinalização e temos medo de quem cruza por nós. Um antigo estádio está prestes a cair de podre, a Fundação Iberê está com a fachada suja e portas semiabertas, o Multipalco ainda não conseguiu verba para sua conclusão, obras se arrastam feito lesmas, e o metrô entrou para o folclore gaúcho como o Negrinho do Pastoreio ou a Salamanca do Jarau. Aí retiramos a venda sobre os olhos e tudo continua escuro, não era uma brincadeira, estaremos mesmo nas... trevas?
Corta. Essa é a parte em que interrompo o relato macabro para lembrar que Porto Alegre tem as canchas de beach tênis ao ar livre, tem o Barranco aberto de segunda a segunda, tem dois estádios de futebol bem aproveitados, tem o incansável Luciano Alabarse batalhando pela cultura – e não só ele. Tem o Brique da Redenção, tem o Araújo Vianna, tem o Teatro do Bourbon Country, tem o Theatro São Pedro, tem a L&PM, tem o Hospital Moinhos de Vento, tem o Zaffari, tem o Instituto Ling, tem a Bolsa de Arte, tem a Casa de Cinema, tem a Casa de Teatro, tem a Casa Destemperados, tem o Sarau Elétrico, tem o Vila Flores, tem a Bamboletras, tem o Fronteiras do Pensamento, tem o Porto Verão Alegre, tem a Fundação Thiago de Moraes Gonzaga e vou parando por aqui porque estou vendo pela janela um sujeito mal-encarado que está bufando por eu ainda não tê-lo citado, e basta de violência, meu lugar é aqui dentro da Revista Donna, não no obituário – não ainda.
Incluo algo mais acessível para quem não pode usufruir de nada que citei acima: temos também um pôr do sol magnífico que não depende de governo nenhum nem da boa vontade de ninguém, mas, ainda que ele seja democrático e nunca falhe, tem sido insuficiente para vermos alguma luz no fim do túnel. Parabéns, Porto Alegre, mas te queremos mais radiante.
POA 245 anos
Às escuras
Difícil comemorar esses 245 anos de Porto Alegre em pleno blecaute, não apenas literal, mas metafórico
Martha Medeiros
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