Ela estava sentada à minha frente, gloriosa aos 79 anos, uma mulher ainda bela, com a inteligência intacta, amante dos livros e do cinema, com o bom humor em pleno funcionamento, mas com uma deficiência comum a outros que nasceram na Idade da Pedra Lascada: entende bulhufas de computadores. Não usa smartphone, nem tablet, nem iPad. Está alheia ao universo virtual, que, segundo ela, não lhe faz a menor falta. Perguntou a mim: "Tenho esse direito?".
Ela mesma respondeu: "Descobri que não, não tenho".
Vive sozinha há uns 25 anos e os filhos moram em suas próprias casas: a família é unida, mas eles não são onipresentes. Nem ela deseja que estejam na sua cola, é independente o suficiente para fazer suas compras, praticar exercícios, encontrar suas amigas, ir ao banco.
Ah, ir ao banco.
Ela é correntista de um grande banco que foi absorvido por outro grande banco, coisa que todo cliente é obrigado a aceitar sem direito a dar pitaco. Ok, nenhum problema. Só que é uma mulher que gosta de ter tudo na ponta do lápis, até porque este "tudo" não é tanto assim. Ela faz contas, como qualquer cidadã. Através do extrato do seu cartão de crédito, confere seus gastos mensais. Até que soube que seu banco, agora sob nova direção, não emitiria mais extratos de papel, apenas extratos online. Ela pensou: isso é bom, economia de celulose, mas eles certamente abrirão exceção para quem está fora das redes.
E muito calmamente foi até sua agência solicitar a continuidade do recebimento do extrato pelo correio.
Foi tratada como se fosse um alienígena, um ser primitivo a ser estudado por arqueólogos. Saiu de lá sem a solução para essa questão que lhe parecia tão simples, e é.
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Pergunta ainda não respondida: idosos (e nem tão idosos) são obrigados a se informatizar? Humilhá-los é uma forma de punição pelo atrevimento de não terem um iToken?
Se você não viu o filme Eu, Daniel Blake, vencedor do Festival de Cinema de Cannes do ano passado, procure assistir por algum canal pago ou pelo DVD: trata da alienação forçada e injusta imposta àqueles que pegaram a revolução tecnológica no meio do caminho e não são mais considerados pessoas que valham o esforço de um atendimento analógico.
A bela septuagenária aqui citada não é um personagem de cinema. É apenas mais uma entre tantos senhores e senhoras que se sentem excluídos por seus digníssimos gerentes de conta, que parecem esquecer que existe vida além dos aplicativos. Até onde sei, o dinheiro de alguém de 35 anos vale o mesmo que o dinheiro de quem tem o dobro dessa idade. Ou não? Bancos, lojas, repartições: não matem seus antigos clientes antes do tempo.