Lentilha na mesa, espumante na mão, quatro, três, dois, um, 2023 vai ser melhor.
Quebraram tudo em Brasília, belo jeito de começar o ano: na cadeia. Férias no bolso, até mais, cidade quente, trânsito que não anda, vizinho chato, rotina sem graça. Não é que veio todo mundo para a mesma praia? Corre, tem um espacinho ali para o guarda-sol, pegaram, corre, tem uma família saindo, outra família pegou, deixa, passei bastante protetor solar, dane-se o guarda-sol. Compra Caladryl, hoje vou ter que dormir de pé. Viu, foi reclamar do sol? Agora não para mais de chover.
Chegou o Luisito. Luisito no Rissul. Luisito na pracinha. Longa vida ao Luisito.
Março escaldante como sempre, céu sem uma nuvem, como sempre, as férias das crianças deviam ser em março, como ninguém pensou nisso? Carnê do IPTU, material escolar, IPVA, o contador pedindo a papelada do Imposto de Renda, o Airbnb das férias pendurado no cartão para lembrar que eu não devia ter tirado férias.
Malha fina e o atrasadinho de nada virou um montão. Jura que o Banco Central vai cortar só essa migalha nos juros? Reajuste do plano de saúde, reajuste da escola, reajuste de tudo — a toda hora — no supermercado, reajuste, uma das palavras mais tristes da língua portuguesa. O que pode um mísero reajuste de salário diante de tantos reajustes?
Dia das Mães, o segundo Natal, não repara, mãe, esse ano foi o que deu. Ela não só reparou como comentou com a diarista, que também trabalha lá em casa e me contou. Veranico de maio, 40 graus fora de época, veranico, vírgula, isso é o aquecimento global que saiu de controle. Devia ter comprado um presente melhor para a mãe em vez de me dar esse poncho de pura lã uruguaia que, pelo jeito, só vai ter serventia para as traças.
Uma piscada e já é junho, o mais velho de recuperação em seis matérias, a mais nova querendo ser tiktoker. Estudar, que é bom, nada. Festa junina, compra o vestido de prenda dela, mas arraial não é coisa de prenda, azar, ela quer ir de prenda. Enfim nublado, 10 graus lá fora, tira o poncho do armário. Meio-dia, 30 graus, tira o sarampo para fora.
Férias de julho, esse ano a gente não vai a lugar nenhum, puxa, nem uma subidinha até Gramado, só um fim de semana para as crianças sentirem o gostinho das férias, mas se elas vivem de férias até quando estão no colégio! Agora é a pousada na Serra que fica pendurada até o próximo verão.
Dia dos Pais, esquece, o pai não se importa com essas datas, faz só um cartão. A cara de bunda do pai quando ganhou só o cartão, mas nem uma meia, nem uma cueca, nem um vinho de promoção? Balada Segura, encosta ali, por favor, a tranquilidade de quem não bebeu, e esse farol queimado? Multa e guincho, em vez de prender ladrão, prendem o meu carro. Vereador cria o Dia do Patriota, vereadores revogam o Dia do Patriota. Vai brincando com o Xandão para ver o que te acontece.
Primavera, espirradeira geral. O ano passou voando feito um perdigoto.
Fica, Suárez, mas ele não fica. O Brasil não vira uma Venezuela, nona economia do mundo, e isso com o centrão roendo o país por dentro. Então é Natal, já falei que essa música me dá nos nervos, o mais velho quer um videogame, a mais nova quer um iPhone, desse jeito não vai sobrar dinheiro para as férias, espera, a taxa Selic deu mais uma baixadinha, agora foi, não dá tempo de fazer mais nada, deu, sim, os vereadores de Porto Alegre permitiram clubes de tiro sem restrição de horário ou distância, sério que deu tempo para eles fazerem isso? Acabou, acabou, para tudo.
Lentilha na mesa, espumante na mão, quatro, três, dois, um, 2024 vai ser melhor.