E ele chegou outra vez, o Dia das Mães. Que a propaganda, com boas intenções e uma premente necessidade de vender no ano inteiro, diz ser todos os dias. Sei. Almoço especial de domingo a domingo. Filhos sem brigar por um turno, pelo menos. Alguém ajudando na louça. O nome disso seria milagre.
Brincadeiras à parte, sempre gostei do Dia das Mães quando era filha. Desde que eu não tinha um centavo e ia ao minimercado Pegue Pague (acho que era isso) com a missão de comprar o pão nosso no fim de cada dia. Lembro de olhar possíveis presentes para a minha mãe por um longo tempo, enquanto os seis cervejinhas esfriavam no embrulho de papel pardo. Pratinhos desemparceirados. Um copo colorido. Um sabonete. Aos sete anos, eu não tinha dinheiro para essas extravagâncias. Só via algum no sábado, quando o pai dava um troquinho para comprar lanche no colégio. Devia ser uma estratégia motivacional para nos acordar cedo no sábado, e a gente pulava da cama já pensando no cachorro-quente da cantina na hora do recreio. Quando chegou a minha vez, meu filho não gostava de cachorro-quente, e o despertar para a aula de sábado foi sempre um parto que se repetiu do fundamental ao último minuto do ensino médio.
Não lembro de que jeito, mas no fim eu sempre arrumava uns trocados para o presente do Dia das Mães. Prova disso foram os pratinhos desemparceirados, os copos coloridos e os sabonetes que minha mãe ganhou ao longo dos anos. Em uma das ocasiões, a Selma, que trabalhava lá em casa, foi ao Pegue Pague para me ajudar a decidir. O Pegue Pague era o meu shopping, distante uns três prédios do meu, e do mesmo lado da calçada.
Depois de mexer em todos os produtos possíveis de serem comprados, dos indefectíveis panos de prato a grampos de cabelo, a Selma descobriu um perfume em uma embalagem linda, toda trabalhada no cristal. Eu tinha dois dinheiros, sei lá de qual moeda, e o perfume custava 1,90. Quase chorei, seria o presente mais sensacional que eu jamais teria imaginado dar para a minha mãe. Mais: seria o presente mais sensacional que ela jamais teria recebido na vida, aí incluídos os perfumes franceses que o meu pai comprava de um contrabandista. Sim, meu pai tinha um contrabandista que vendia de cosméticos a calças Lee. Acho que vinha tudo da Argentina, e era uma festa quando ele chegava com as novidades. Na época, se me perguntassem se eu preferia ser médica ou contrabandista, escolheria a segunda opção certo.
Fomos ao caixa pagar, eu mais feliz que abelha na ambrosia. E a moça, implacável:
— São 11,90.
A Selma e eu nos olhamos. Ela era a adulta, e tomou a frente.
— Como assim, 11,90? É 1,90.
— Um perfume desses por 1,90? Vocês duas querem mumu? São 11,90.
Resumindo, a Selma viu o preço errado. Devolvemos o perfume e, provavelmente, saí do Pegue Pague carregando um pano de prato, mais o que ainda não sabia denominar de frustração no último grau.
Mais tarde perguntei para a minha mãe o que significava "querer mumu". Ela disse que era querer moleza, explicação que demorei a entender de fato.
Quando esta coluna for publicada, estarei aproveitando meu mumu: alguns dias no Rincão do Inferno, paraíso para as bandas de Bagé, em uma das poucas interpretações felizes de distanciamento social. Ideia do meu filho, aquele que não acordava cedo no colégio, mas que vem se mostrando bem aceso na vida. Já eu, que não tenho mãe para presentear desde 2005, consolo-me vendo as mães de quem conheço, e de quem nunca vi, tomando suas vacinas em busca de tempos melhores. Queria que esse fosse o presente de todas – e aí me incluo.
O jeito é ficar forte e esperar a nossa vez.
Para as mães, um dia feliz e um pouquinho de mumu. Pelo menos hoje.