O verão de 2021 vai ficar na história como aquele que não deveria ter existido. O verão que não deixou só marquinha de sol na pele, também deixou uma triste marca nas UTIs. Óbvio que tanto ajuntamento ia dar no que deu: bandeira preta, amor. Veranistas, os da praia e os da cidade, que se aglomeraram como se não houvesse amanhã, viraram niilistas. Viver em negação pode até ser mais cômodo, mas cobra um preço alto ali na frente.
Isso não inclui quem se recolheu com a família em um lugarzinho isolado, armazenando forças para seguir.
Para quem ficou dentro de casa, curtindo a síndrome de abstinência de ar livre, esse foi um verão de lembranças. De pensar em coisas que, na hora, não pareciam tão boas. Mas só porque estavam à feição demais.
Não dar valor ao que vem fácil, quem nunca?
Saudade do congestionamento para chegar à praia. Da areia tão lotada que era quase impossível caminhar entre os guarda-sóis – ao menos, sem enfiar o olho na vareta de um. Saudade do guarda-sol que saía voando, e levando junto as camisetas penduradas nele para secar. Saudade do queijo coalho feito no fogareirinho com resquícios de muitos verões passados. Saudade de tomar um torrão, apesar das recomendações da dermatologista e da aplicação regular de protetor. Saudade da água que só ficava quente e clara quando a gente já estava de volta ao trabalho: fim de semana com cara de Caribe no litoral gaúcho.
Já das inúmeras casas alugadas no escuro, delas é mais difícil sentir saudade. As novas gerações jamais imaginariam que, antes do Airbnb e das imobiliárias que mandam fotos e informações pelo WhatsApp, alugava-se na praia a partir de anúncios classificados – Jesus! – ou de um contato repassado por alguém.
Fulano tem uma casinha ótima e perto de tudo. A casa era até boa, mas o conceito de “perto” se referia mais à serra do que ao mar. Além, claro, de uma vendinha para comprar sorvete quente a 10 quadras dali.
A casa é simples, mas a vista é incrível. E era mesmo, dava para ver o Cruzeiro do Sul pelos furos do telhado. Só era chato quando chovia. Não é barato, mas vale a pena pela localização, no meio da natureza. Pelo preço, a gente pagava também pelos mosquitos, aranhas, baratas e mais toda a fauna de insetos que nos picava dia e noite.
O local é calmo, sem barulho e com privacidade absoluta. Pudera, ficava tão distante que nem os salva-vidas encontravam o caminho. Pai e mãe se postavam na beira, gritando para os filhos não se afastarem. Cuidado com a rebentação, criatura! Pelo menos, ninguém passava vergonha, já que não havia uma alma em dezenas de quilômetros.
Veranistas, os da praia e os da cidade, que se aglomeraram como se não houvesse amanhã, viraram niilistas. Viver em negação pode até ser mais cômodo, mas cobra um preço alto ali na frente
É no morro, basta descer por uma estradinha de terra que chega no mar em menos de vinte minutos. Verdade. O que ninguém considerava era a volta, sol no miolo, carregando as tralhas e o cansaço morro acima.
Não que alugar com fotos e Google Maps garanta que tudo vai dar certo. Em algum verão antes da pandemia, vimos as fotos de uma casa dos sonhos, enormes aberturas de vidro, em uma encosta, e que paisagem. O preço era salgadérrimo, mas puxa daqui e dali, decidimos ir. Pela experiência, a gente repetia, para diminuir a culpa por pagar tanto.
Lá chegando, a casa que fotografava ampla e arejada tinha, quando muito, 30 metros quadrados. Toda de vidro, sem ventilador ou ar-condicionado. Sensação de estar em uma barraca iglu, daquelas em que a pessoa seria sufocada se não vazasse ao nascer do sol. Era uma casa muito engraçada, não tinha lençol, coberta, cama, não tinha nada. Colchonetes encostados nas paredes guardavam memórias dos outros corpos, muitos, que já haviam passado por eles. Aguentamos três dias e meio da estadia que previa 10. Tome frustração, prejuízo e nenhuma história para contar.
Até a coluna de hoje. Porque, nesse fim de fevereiro, tenho sentido muita saudade do verão que não houve. Tomara que quem não sossegou o facho, alegando calor e a própria exaustão, consiga ficar em casa, agora que o outono está a caminho. Com um pouquinho de colaboração e, óbvio, a vacina, a gente pode dar um passo adiante, logo mais.
E, então, o verão de 2021 não vai passar de uma pálida – literalmente – lembrança.