Esses primeiros dias do ano, com as consequentes boas intenções que vêm junto, não deixam de ser uma oportunidade para abrir o coração a outras causas que não as nossas. Ainda mais depois de um 2020 solitário e desesperançado. Por aqui, tenho passado sob o efeito daquela música do Zeca Baleiro, lembra? Ando tão à flor da pele/ que qualquer beijo de novela me faz chorar.
Mentira, não choro com beijo de novela nem com propaganda de banco ou de supermercado. Em compensação, ler o jornal é uma choradeira só. E alguns vídeos que passam pela minha timeline provocam uma cachoeira de quase inundar a tela. Um dos últimos foi o de uma mãe levando o filho já adolescente, com paralisia cerebral, para tomar chuva na frente de casa. A alegria dos dois. Naquele momento, possivelmente, eu estivesse reclamando dos cupins que têm entrado em revoada nos finais de tarde, ou de qualquer outra dessas coisas “desimportantíssimas” que costumam ocupar um espaço bem maior do que merecem.
Se esta parecer uma coluna de autoajuda, mil desculpas. Tenho pavor de autoajuda. Acredito mesmo que a autoajuda só ajuda os autores de autoajuda a se autoajudarem. Estava apenas refletindo sobre o tempo que se perde com os cupins – no sentido figurado. A eterna reclamação sobre o ar-condicionado que não dá conta do calor de Porto Alegre, e tanta gente passando perrengues incomparavelmente maiores que isso. Só para citar um exemplo.
Putz. Esta coluna vai a passos céleres no caminho da autoajuda.
A mãe e seu filho na chuva me transportaram para um vídeo da Lau Patron, autora de 71 Leões - Uma História Sobre Maternidade, Dor e Renascimento, também em um dia chuvoso, fazendo seu filho João andar de skate com um aparato que só não segurava a alegria do menino. Antes disso, provavelmente, eu reclamava dos pulgões nas plantas da sala que, por mais que se trate, não desaparecem de jeito nenhum.
Alguém tem uma receita que só mate os pulgões e não as plantas?
Há pouco estava lendo sobre um grupo de portadores de albinismo que vivem na Ilha da Maré, na Bahia, em uma comunidade quilombola isolada, e que só chegam a Salvador de barco para conseguir protetor solar e tratamento de saúde. Viagem que eles são obrigados a fazer no sol – e sem protetor solar. Ainda assim, uma das entrevistadas, Angélica Bonfim, de 27 anos, concluiu o Ensino Médio, está estudando espanhol e quer fazer faculdade. Caiu uma lágrima enquanto eu reclamava do pó que os cupins deixam na soleira.
Que não é pó, caso alguém esteja passando pelo mesmo problema. Diz a biologia: “Devido ao ambiente muito seco em que vivem, os cupins eliminam bolinhas fecais desidratadas, que normalmente ficam acumuladas no ninho e podem servir como material para fechar canais que não estejam sendo usados, ou como proteção contra inimigos. Quando as fezes se acumulam, os cupins se livram delas de uma só vez pelos orifícios do ninho, deixando a tal poeirinha em volta dos móveis atacados”.
Ou seja, o cupim come a mesa, o armário, a cadeira, a janela, a porta, e deixa o cocô de lembrança. Qualquer semelhança com o modo de agir de certos políticos não deve ser coincidência. Mas diferente de, por exemplo, um impeachment – que nem entra na pauta –, por aqui a coisa terminará na marra. Vem aí uma empresa para descupinizar a casa.
Depois de eliminar os desgraçados que são minha atual ideia fixa, se não encontrar tempo para praticar a empatia e a solidariedade, então esse olhar para o próprio umbigo é só uma desculpa.