Hoje quem escreve a coluna é a Negra Jaque, artista, mãe e mulher atuante na comunidade do Morro da Cruz e nas questões negras. Na voz dela a gente ouve outras milhões de vozes pretas que não podem mais ficar caladas. Não se sabe que mundo vai sobrar depois da pandemia. Mas é certo que, enquanto houver racismo, desrespeito e preconceito, ele nunca vai ser um lugar melhor. Boa leitura.
"Salve, gente! Inicio este texto saudando a todos do mesmo modo como sou acolhida na terreira, com amorosidade, afeto e vibrações positivas. Os corações estão gelados como se o mundo estivesse enfrentando uma pneumonia.
O processo de isolamento apresenta duas opções de comportamento: uma de cura e outra de entrega. Uma balança de valores e de caráter.
Nossa humanidade tem sido colocada à prova cotidianamente. O nosso posicionamento, ou a falta dele, diz muito sobre nós. Neste momento, a mulher negra, periférica e artista que habita neste corpo presente, que há 32 anos combate o sistema cultural-político-econômico chamado racismo, se levanta como sempre.
Os recursos estão escassos. Estamos passando por um período que chamo de “farinha pouca, meu pirão primeiro”. Obviamente, o impacto ocorre nas grandes periferias, ou seja, na população preta deste país. O levante da luta antirracista é uma ação imediata e uma discussão que não cabe mais embaixo do tapete.
É sobre quem é sempre silenciado, é sobre quem trabalha muito e passa a vida sem poder usufruir nada."
Há muito tempo, sabemos que essas balas perdidas têm destino certo. Que a violência doméstica contra as mulheres tem cor e outras tantas atrocidades que ocorrem desde o sequestro do povo do continente africano. Já fizemos isso em outros momentos, e esses levantes irão acontecer quantas vezes forem necessários! É o nosso corpo esteticamente presente, nossa produção acadêmica, nossa arte, nosso grito.
A médio prazo, devemos levar a pauta racista para dentro de nossas casas, pois ela é cotidiana. As hashtags não irão trazer respostas instantâneas. É sobre privilégios e reparação. Não é sobre quem faz cinco refeições, é sobre quem não come. É sobre quem é sempre silenciado, é sobre quem trabalha muito e passa a vida sem poder usufruir nada.
Não temos tempo para dar tempo.
Se toda crise gera uma oportunidade de mudança, que ela se faça então de forma positiva e humana. Sou professora, adepta da pedagogia da esperança e acredito em uma mudança na educação. Temos provas de que através dela conseguiremos mudar muita coisa. Ações coletivas educacionais que discutam sobre o passado e criem alternativas positivas para o presente e futuro como a Nação HipHop Brasil, que há quase 15 anos faz um trabalho de rede nacional através do hip hop dentro das periferias. Ou ainda o projeto Quilombonja, que traz para crianças e jovens reconhecimento sobre o lugar e seu papel individual na mudança do mundo. Wakanda Streamers, projeto ligado à tecnologia e todo esse mundo dos streamers através de uma rede de comunicação que envolve gamers, artistas da música, design e outras tecnologias.
Existem ações que há muito tempo desenvolvem uma filosofia antirracista, real, de base e orgânicas. É importante ampliar a voz de ações como essas, uma oportunidade de escuta, respeito e estudo sobre lugar de fala. A Djamila Ribeiro vive falando sobre tudo isso. Promover integração e não a polaridade de posicionamento. Não é sobre Brow e Emicida, é sobre onde precisamos chegar."