E eis que, de repente, estava eu a trabalho em Nova York. Trabalho é modo de dizer, ainda mais em tempos de jornadas duras e mal remuneradas. Isso quando elas existem. Fui com um grupo de escrita criativa que embarcou em uma aventura diferente, escrever crônicas de viagem. Dessas sortes grandes que acontecem muito de vez em quando na vida - ou então, nunca. Quase que o dólar nas alturas termina com os planos. Mas puxando daqui e dali, o grupo se organizou e, quando vimos, estávamos nós no país do Trump. Que, diga-se, está todos os dias na capa dos jornais, tanto por seus planos de reeleição, quanto por uma possibilidade de impeachment que já pareceu mais remota. Parece que 49% dos norte-americanos considera a hipótese. Eles que se arrumem. De problemas, já nos bastam os nossos.
Quase não dava para escrever, de tanta coisa boa chamando a gente lá fora. Esta coluna, por exemplo, foi entregue aos 50 do segundo tempo, nos acréscimos depois que inventaram o VAR, com a editora Thamires já sacando o cartão vermelho e me mandando passar no departamento pessoal.
A ideia era fazer os encontros da turma em lugares tradicionais da cidade, o Central Park, o High Line, a Biblioteca da Quinta Avenida. Entre uma sessão de crônicas e outra, cada um tinha a sua programação. Nunca havia viajado com um grupo e foi interessante observar como as pessoas se adaptam às circunstâncias com generosidade, pelo bem da maioria. Senhoras enfrentando as escadas - e as distâncias - do metrô, quartos divididos, refeições apressadas e salgadas, considerando o dólar, mais o tema de casa para o encontro seguinte. A turma foi valente e não perdeu a ternura, nem o ânimo, jamais. Desejo a todos companheiros de viagem como a Iara que organizou a aventura, a Meg, a Bete, a Saíle, o Olavo, a Sônia, a Iara, o Joãozinho e a Júlia, porto-alegrense que mora em Nova York e não só participou da oficina com a gente, como ainda prestou consultoria geral e irrestrita sobre tudo, de endereços a sorvetes e transportes. O mesmo vale para o Joãozinho.
Depois do dever, que ninguém é de ferro, hora de aproveitar a cidade que tinha show da Madonna, David Byrne e Deep Purple na mesma semana, fora todos os espetáculos de teatro. No Guggenheim, uma exposição do Basquiat (olha ele aí, Josa!). No Metropolitan, Da Vinci. Mais as galerias. As mostras alternativas. O New York Film Festival em exibição em diversos cinemas, inclusive com a estreia de Bacurau em terras gringas. Coringa - que filmaço, meus amigos - estreando em um cinema com projeção em 70 mm, uma raridade em tempos digitais. Os mercados. Os passeios. Quase não dava para escrever, de tanta coisa boa chamando a gente lá fora. Esta coluna, por exemplo, foi entregue aos 50 do segundo tempo, nos acréscimos depois que inventaram o VAR, com a editora Thamires já sacando o cartão vermelho e me mandando passar no departamento pessoal.
Com a turma quase pegando o voo para voltar, ainda sobrou uma brechinha para assistir a um show da Morcheeba, a banda inglesa que dá para recomendar sem medo a quem gostar de música boa, aí incluídos os mais eruditos. Foi um prazer ver a vocalista, Skye Edwards, hipnotizar todo mundo na casa lotada. O filho dela, que nem era nascido quando a banda foi criada, hoje é baterista. E assim o mundo, e a gente, vai se renovando.
Já no raio X, a Saíle, que veio de Florianópolis para viajar com a oficina, foi parada pelo policial para explicar que diabos era um embrulho comprido dentro da bolsa. Um tipo de armamento? Nada. Era só a única encomenda que a mãe dela fez, uma escova de limpar privada em formato de Trump, os cabelos loiros do presidente fazendo as vezes de cerdas. O policial riu, nossa excursão também, e tomamos o rumo do avião.
Histórias para contar. No fim das contas, é disso que a vida é feita.