Há alguns meses, clientes de uma operadora vinham recebendo mensagens de texto que informavam sobre um próximo aumento na conta. Talvez não seja exclusividade de uma só operadora, mas como sou cliente dessa, minha experiência é com ela. Como não poderia deixar de ser, chegou a minha vez de receber o SMS fatal.
Um aparte: hoje em dia, quando entra um SMS no celular, a gente já sabe que boa coisa não é. Em geral trata-se de um magazine com ofertas imperdíveis que será um prazer perder, da própria operadora tentando empurrar um pacote maior, de algum aviso do banco ou ainda de uma cobrança indevida - no meu caso, recebo há anos uma mensagem que vai ficando cada vez mais grave: Geneci, essa é sua última oportunidade para renegociar seus débitos. Temo pelo destino de Geneci, se ela for encontrada. Faz muito tempo que a coitada está sendo caçada no meu número. Vida longa à Geneci.
Mas voltando à operadora. Em tempos de dinheiro escasso, salários parcelados, demissões a torto e a direito e todo esse etc que o país vive, o tal aumento da operadora não era coisa pouca. Daí que, munida da paciência possível, liguei para o asterisco qualquer coisa e comecei a ouvir o infindável lero-lero eletrônico. A ideia, óbvio, é dar um cansaço no cliente para que ele desista de falar com os atendentes. Precisa ser realmente forte para aguentar o menu até chegar na única opção que interessa, um humano que dê respostas. Embora, muito provavelmente, o esforço leve a um humano sem respostas.
No dia em que as coisas forem chamadas pelo nome certo, o contrato vai dizer que você, cliente, foi acorrentado. A gente vai continuar assinando do mesmo jeito. E "fidelizar", essa palavra tão querida, estará livre para não ameaçar mais ninguém.
Para a espera não ser completamente perdida, minha tática é colocar a chamada no viva-voz e aproveitar a musiquinha chata em looping como trilha para tarefas chatas, lavar a louça, varrer a casa, fazer abdominais. Dá tempo e sobra para a personal elogiar o empenho no dia seguinte. Finalmente, surge o que se acredita ser uma pessoa do outro lado - apesar das respostas mecânicas.
O aumento está de acordo com a Anatel.
Não existe negociação, o preço agora é esse.
Não tem nenhum servicinho a mais, continua tudo igual.
Se existe alguma possibilidade de manter o valor antigo? Só se a senhora não fosse uma cliente fidelizada.
Foi quando me caiu uma ficha, expressão inadequadíssima em assuntos de celular: as operadoras conseguiram acabar com o bom sentido da palavra "fidelizar". Que ainda hoje, no dicionário, quer dizer "fazer com que alguém se torne fiel a uma marca, produto, etc. Por exemplo: o bom atendimento fidelizou o cliente".
Agora as operadoras usam a palavra fidelizar como uma ameaça. Fidelizar passou a significar que o serviço pode continuar péssimo, que o 4G volta e meia será 3G, e zero G na estrada, que penduricalhos muito esquisitos seguirão aparecendo, que ligar para o call center continuará sendo um suplício, que a fatura vai subir e fim de papo. Significa que, mesmo com tudo isso, o consumidor morrerá abraçado no aumento, porque ele foi fidelizado. E cliente fidelizado não conta mais, já foi comido. Não gostou, paga a multa e não bufa.
No dia em que as coisas forem chamadas pelo nome certo, o contrato vai dizer que você, cliente, foi acorrentado. A gente vai continuar assinando do mesmo jeito. E "fidelizar", essa palavra tão querida, estará livre para não ameaçar mais ninguém.
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Do cineasta e professor Carlos Gerbase sobre Homem de Lugar Nenhum, a peça que Zé Adão Barbosa e Renato del Campão apresentam no Teatro Renascença nos finais de semana até 25 de agosto: "É um espetáculo sombrio e, portanto, muito conectado com o clima social e político que vivemos. Eles têm coragem para encenar realidades desagradáveis do presente e do passado, como a alienação, a desesperança e a tortura. (...) Garanto que algumas imagens e falas da peça ficarão na sua memória". Desligue o seu celular e bom espetáculo.