Para muito além do rosa, lembrei de algumas “coisas de menina” mais significativas do que a cor da roupa. Isso por conta, claro, do vídeo da ministra aquela. Aí vão alguns exemplos narrados sem rigor histórico, mas com total respeito aos fatos. E tem muito mais de onde saíram esses.
Obstinação. Quando uma menina bota uma ideia na cabeça, dificilmente ela desiste. E, se não conseguir o que quer de primeira, vai continuar insistindo até chegar lá. O estudo, por exemplo. Nem faz tanto assim, os pais achavam que era uma perda de tempo as filhas estudarem. Para que se logo estariam cuidando da casa e do marido? Havia as que não aceitavam e terminavam seus dias em um convento ou no hospício, dois destinos consagrados para as filhas rebeldes. Depois de muita briga, olha nós aqui – ainda que a luta continue em diversos lugares pelo mundo. E o voto? No começo do século 20, o voto era uma exclusividade dos homens abonados. Os mais humildes não tinham vez, e as mulheres, muito menos. O movimento das sufragistas foi abrindo caminho para que, em 1928, uma professora do Rio Grande do Norte se transformasse na primeira eleitora brasileira. Nada cai do céu para as mulheres – o que nos fez assim, obstinadas. E dispostas a não entregar a rapadura jamais.
Mais obstinação. E quando mulher não podia trabalhar? Quer dizer, trabalhava quase em regime de escravidão, limpando, cuidando e administrando a casa em troca da satisfação do marido e dos filhos. Até que a Revolução Industrial precisou de mais braços para explorar, depois os homens foram para suas estúpidas guerras mundiais, e aqui estamos nós. No Brasil, o processo começou com mais força nos anos 1970, com a deteriorização dos salários e a necessidade de complementar a renda das famílias. Mas essas foram apenas as razões econômicas, porque o que sempre moveu a gente foi a necessidade de acabar com os limites que insistiam em nos impor. Quem torce a cara para o feminismo acaba por esquecer que todas nós nos beneficiamos com as conquistas do movimento.
Capacidade. Ao contrário do que os antigos acreditavam, as mulheres não eram boas apenas no lado de dentro das casas. Aliás, uma função doméstica como a cozinha, por exemplo, hoje é atividade que garante não só o sustento, mas o reconhecimento de muitas. Ninguém mais discute a capacidade das mulheres em todas as áreas, em todos os lugares, em todos os escalões, mas isso não se traduz em igualdade de oportunidades. Na média, os salários delas também continuam menores do que o dos homens – o que nos lembra que a equiparação é uma causa muito urgente e muito séria. Isso nem é feminismo, é só justiça mesmo.
Mais capacidade. Ao receber seu prêmio de Melhor Coadjuvante no Globo de Ouro, a atriz Patricia Clarkson agradeceu assim ao diretor da série: “Você exigiu tudo de mim, exceto sexo, que é exatamente como deve ser na nossa profissão”. Como deve ser em todas as profissões. Exijam tudo o que for relativo ao trabalho que a gente dá. Fora isso, só se dá para quem se quiser.
Proteção. Até bem pouco tempo, diziam que mulher não sabia ser amiga de mulher. Que a característica principal das nossas relações era a competição, factóide caricaturalmente reproduzido em filmes, programas de TV, novelas e romances para moças. Só que o mundo tem visto exatamente o contrário disso. Unidas, as mulheres se protegem e têm dado os maiores exemplos de resistência dos nossos dias, seja contra todas as formas de violência, seja nas questões políticas. Proteção é uma “coisa de menina” que se mistura com empatia, com generosidade e, óbvio, com amor. Sutilezas e delicadezas dos cromossomos XX. Já a cor da roupa, bom, cada uma usa o que bem quiser, assim como faz da sua vida o que bem entender. Decisão é coisa de menina. E dela ninguém abre mão.