Não é só o calor inclemente, inconveniente e quase indecente que perturba os porto-alegrenses nestes dias. Para além dos perrengues cotidianos de todas as ordens, ainda temos os cupins comendo tudo o que encontram pela frente. As nossas casas, por exemplo.
Para os humanos, verão é tempo de pegar a freeway congestionada e aproveitar o litoral lotado. Para o cupim, é tempo de acasalar. É quando aparecem as nuvens ou revoadas, visões do inferno na linha da famosa praga bíblica do Egito. As asas do cupim são breves, caem aos milhares depois da migração. Caem aos milhões, o que explica a interminável tarefa de varrer as tão delicadas quanto nojentas estruturas transparentes do chão. Sem elas, os bichos fazem ninho e se estabelecem em seus novos endereços – o que equivale a dizer que comem os nossos endereços, sem distinção de IPTU. Mais ou menos isso, se ainda me lembro das aulas de biologia.
Parece que existem mais de 2 mil espécies de cupim no mundo e mais de 200 catalogadas só no Brasil. Todas se alimentando de celulose, ou seja, aquela escrivaninha linda que era da vó Astrid e a Barsa herdada do tio Belisário estão prestes a virar lanche. Elas e mais os armários, as portas, as venezianas – hoje tão raras –, os rodapés, as estantes, os livros das estantes, os quadros, os balcões, as camas, as mesas, as cadeiras, o aparador, o rack, as prateleiras, a decoração, as revistas. Sem falar que a poeira que fica em volta dos móveis atacados não é poeira, é excremento de cupim. Imagina quantos moram no pé da sua mesa para produzir tanto cocô.
Corroendo tudo desse jeito, o cupim se presta a metáforas das mais variadas. A mais óbvia: os maus políticos que acabam com o dinheiro público em causa própria ou em nome de causas que só servem às causas deles mesmos. O cupim só não ataca a cara de pau de alguns. A praga é resistente.
As contas a pagar são cupins famintos. Onde o salário que estava aqui agora? Corroído pela luz, pelas prestações, pelo aluguel, pelo condomínio, pelo plano de saúde, pelo cartão de crédito. Vítima também do preço dos alimentos, dos remédios, dos combustíveis, do colégio dos filhos, da faculdade e por aí vai.
A saudade é outro cupim sem dó, esse atacando o coração, a alma, até o estômago. Saudade deixa tudo vazio, é uma roeção só.
E o ciúme? Praga. A poeira de cocô não é nada perto do rastro de destruição que ele deixa.
Entre cupins, os figurados e os insetos, a gente vai levando essa chama. Sobre os últimos, quem deve estar gostando da presença indesejada deles são as dedetizadoras. Porque algo é preciso fazer, dizia um amigo bem quando o marco da porta caiu na cabeça dele, mas sem machucar. Estava completamente oco.
• • •
Entre as tantas atrações imperdíveis do Porto Verão Alegre – todas em portoveraoalegre.com.br –, uma que promete ser luxo só: Carrie, a Histérica – 30 anos depois. Espetáculo cult de Zé Adão Barbosa e Renato del Campão nos anos 1980, a remontagem traz os dois atores no papel das irmãs, atrizes e rivais Dalva e Phedra, que querem adaptar Carrie, a Estranha, o filme de Brian de Palma. Se conseguem ou não, só indo ao Teatro do Sesc nos dias 1º, 2 e 3 de fevereiro, às 21h, para saber. Nos vemos lá?