A psicóloga Alessandra Matzenauer prepara produtos para as amigas. (Foto: Adriana Franciosi/ Agência RBS) Foto Adriana Franciosi
Por Rossana Silva, especial
Cada vez que um produto como desodorante, hidratante ou perfume chega ao fim, Lisangela Marques da Silva recorre à "farmacinha". É assim que a bióloga de 43 anos se refere ao compartimento mais alto do armário da cozinha, no qual ingredientes como álcool de cereais, ervas aromáticas e óleos essenciais estão cuidadosamente armazenados em potes de vidro. Com uma apostila de receitas nas mãos e a mesa como base do laboratório improvisado, ela prepara em casa produtos de higiene e beleza usados no dia a dia – tudo o mais natural possível.
– Enjoei do cheiro de um perfume que adorava e ganhei algumas amostras naturais de uma amiga. Gostei e decidi fazer um curso para aprender mais no ano passado. Era um momento no qual eu estava mudando a rotina para ter tempo para cuidar de mim, prestando atenção na alimentação e cozinhando mais em casa. Veio tudo junto – conta a bióloga.
A opção de Lisangela não é isolada. Conhecida no Exterior como slow beauty, a tendência que propõe o resgate de fórmulas naturais (preferencialmente orgânicas) e não tóxicas no cuidado com o corpo ganha cada vez mais adeptas. Embora, em alguns casos, fazer produtos de beleza em casa seja mais econômico, a atitude não tem motivação financeira: costuma estar relacionada ao estilo de vida de quem prioriza a saúde, preza pelo cuidado com a natureza e exerce um consumo consciente.
Receitas livres de substâncias prejudiciais à saúde como os parabenos e o alumínio, comuns nos rótulos dos industrializados, são testadas e recomendadas entre amigas, em grupos de discussão na internet e nos cursos de cosmética natural que têm despertado o interesse de dezenas de porto-alegrenses. Nesses espaços, o conhecimento sobre técnicas naturais é compartilhado por professoras como Daphene Zuboski Maurer, 25 anos. Após ter trabalhado com o tema na adolescência, ela voltou a se interessar por cosmética e tratamentos de pele: viajou por comunidades e ecovilas da América Latina onde apenas materiais biodegradáveis eram utilizados e participou de oficinas e cursos como o de cosmetologia natural no Instituto Harmonie, em Florianópolis. Animada com as descobertas, voltou a Porto Alegre e passou a ensinar como desenvolver produtos com elementos da aromaterapia e do ayurveda, a medicina indiana milenar.
– Ao ler os rótulos de produtos de beleza, vejo que 90% dos componentes são desconhecidos. Por muito tempo, só a medicina e a farmácia sabiam o que colocávamos no corpo. A cosmética natural começa a mudar isso, propondo um empoderamento do corpo e a consciência sobre o que se está utilizando nele – diz Daphene.
As oficinas recebem mulheres em busca de hábitos saudáveis e uma forma de vida mais conectada à natureza, ainda que na cidade. A maior parte delas deseja estender ao trato com a pele e o corpo cuidados já adotados nas refeições. A analogia entre o cosmético e a alimentação é usada pela instrutora de yoga Ana Accorsi para explicar por que, há anos, não compra produtos de beleza em farmácias ou supermercados.
– Colocar um derivado de petróleo na sua pele é como consumir margarina. Ainda que seja em cima de um pão integral, é um produto completamente sintético que o organismo não consegue reconhecer – compara Ana, 37 anos, que também é massoterapeuta ayurvédica.
Ela produz desodorantes e hidratantes para uso próprio e para presentear amigos. Outros produtos são adquiridos de marcas que utilizam ingredientes naturais, preferencialmente no comércio local. Itens de higiene e limpeza também foram trocados por receitas livres de químicos.
O resultado obtido nesses pequenos laboratórios caseiros nem sempre se aproxima daquilo que é encontrado já pronto, nas prateleiras – nem é essa a intenção. A ideia é aproveitar óleos, ceras, manteigas e ingredientes provenientes da terra para cuidar do corpo priorizando a saúde antes da beleza. Assim, o hidratante pode levar óleo vegetal e cera de abelha, o pó dental tem argila branca, cravo, gengibre e hortelã, e uma das receitas de desodorante (veja no quadro ao lado) é feita com leite de magnésio, tintura de alecrim, óleo vegetal e óleos essenciais.
A preferência é sempre para os ingredientes típicos de cada região, como o óleo de rosa mosqueta feito em Nova Petrópolis. Componentes mais raros, como a cera de candelila do México, usada pelas veganas como alternativa à de abelhas, são opcionais. A maior parte dos materiais está disponível no Mercado Público de Porto Alegre e em distribuidoras de produtos para farmácias de manipulação. No caso de itens vendidos em grande quantidade, são organizadas compras coletivas entre mulheres.
Para a psicóloga Alessandra Matzenauer, 27 anos, há uma relação de cuidado diferente quando faz o produto para si mesma ou para as amigas. As receitas base são aprimoradas com ervas e óleos essenciais de sua preferência, resultando em feitios personalizados na forma de hidratantes, sabonete, pó dental, xampu e condicionador.
– Há um prazer envolvido, é como fazer uma comida boa, dá um orgulho, o cheiro é bom, além de ter o carinho por ser algo feito por mim – explica Alessandra.
Segundo a dermatologista Juliana Fontes, a tendência do uso deste tipo de cosméticos também tem motivado a indústria a diminuir o uso de substâncias comprovadamente cancerígenas ou que causam irritaçao da pele, além de criar linhas orgânicas. Ela alerta, porém, sobre o cuidado com a manipulação e o prazo de validade dos componentes nas receitas caseiras.
– Tanto no produto natural, orgânico, quanto no comercial que tem substâncias sintéticas, existe o risco de uma reação alérgica. A forma como se utiliza o produto natural pode causar uma alergia que não ocorreria se fosse trabalhado em laboratório. A babosa, por exemplo, pode chegar a queimar a pele. Mas, se usada adequadamente, vai hidratá-la – alerta.
Os produtos naturais e caseiros, ela afirma, podem substituir os industrializados em funções básicas do dia a dia, sempre com atenção à maneira de preparo (veja abaixo ).
– A vantagem dos cosméticos orgânicos é que são menos agressivos à pele e com certeza não têm substâncias cancerígenas – explica.
– Para o dia a dia, é válido o uso de sabonetes, hidratantes e esfoliantes e produtos naturais ou orgânicos simples que tragam menos malefícios do que os comerciais. Mas no caso de produtos mais elaborados como cremes anti-idade, é diferente. É preciso ter cuidado, a eficácia tem de ser comprovada – adverte.
Adeptas dos cosméticos naturais, porém, afirmam respeitar o processo do corpo e costumam abrir mão de fórmulas rejuvenescedoras.
– Ampliei o meu entendimento de beleza. As marcas do tempo também são bonitas e fazem parte da minha história – afirma Lisangela.
RECEITAS PARA FAZER EM CASA
Veja dois dos produtos ensinados nas oficinas de biocosmética:
Creme hidratante
25g de manteiga de karité ou cupuaçu
2g de cera de abelha ou candelila (opção vegana)
40ml de óleo vegetal (semente de uva, abacate ou gergelim)
3 gotas de óleo essencial de lavanda (Lavandula Officinalis)
2 gotas de óleo essencial de patchouli (Pogostemon Cablin)
Modo de preparo:
Derreta a cera e, em seguida, adicione a manteiga e o óleo vegetal. Mexa bem o creme até que ele obtenha consistência e espere esfriar completamente para colocar as gotas de óleo essencial. Guarde em um frasco de vidro, preferencialmente ambar.
Desodorante
70ml de leite de magnésio
10ml de tintura de alecrim
10ml de óleo vegetal de (semente de uva, abacate ou gergelim)
3 gotas de óleo essencial de eucalipto (Eucalyptus Globulus)
2 gotas de óleo essencial de tea tree (Melaleuca Alternifolia)
Modo de preparo:
Misture o leite de magésio com a tintura. Em seguida, acrescente o óleo vegetal e, por último, as gotas de óleo essencial. Guardar em um frasco e agitar antes de utilizar.
USE COM CUIDADO
Veja as recomendações da dermatologista Juliana Fontes para a utilização de produtos feitos em casa:
- Tome os devidos cuidados para evitar que os componentes estraguem, oxidem ou tenham contaminação bacteriana;
- Manipule componentes naturais apenas com conhecimento de suas propriedades;
- Prefira frascos estéreis para evitar contaminações;
- Fique atenta ao prazo de validade do produto, que costuma sermenor por não conter conservantes
SERVIÇO
Oficinas de biocosmética na Aldeia, em Porto Alegre
Quatro módulos independentes sobre a fabricação de shampoos, hidratantes, pasta dental, protetor labial e sabonetes, entre outros produtos, com ingredientes naturais.
Módulos independentes nos dias 27 de agosto e 4, 11 e 18 de setembro, das 15h às 19h
R$ 60 por módulo;
Informações em facebook.com/aldeia252 e aldeia252@gmail.com