Trabalhar para que a gastronomia recupere seu sentido cultural é o que move Rodrigo Bellora, nome por trás do restaurante Valle Rústico, em Garibaldi. Com a proposta de exercitar uma cozinha sustentável, o chef gaúcho conhece a procedência de todos os ingredientes que entram em sua cozinha. Cada produtor e fornecedor exercem um papel na cadeia alimentar e social da região. Por lá, os pratos são muito mais do que comida, colocam as pessoas em contato com a natureza e com a essência da gastronomia.
Formado em turismo, Bellora não imaginava que se tornaria chef de cozinha nem que seria proprietário de um restaurante de sucesso na serra gaúcha. Entre as filosofias seguidas por ele, está a preocupação com o alimento, desde o plantio até o prato. São dos 12 hectares da propriedade que saem grande parte dos ingredientes utilizados no Valle Rústico.
O CHEF DO VALLE RÚSTICO
Foi em meio à natureza, na rota turística do Vale dos Vinhedos, que Rodrigo Bellora deu vida ao sonho de ter o próprio restaurante. O Valle Rústico nasceu nas terras que já eram da família, em Garibaldi, mas que até então eram pouco exploradas.
– Meus pais mantinham uma pequena produção de uvas nesse espaço, mas isso foi se perdendo ao longo do tempo. Em 2008, quando voltei de um período na Bahia, querendo empreender, pensei que poderia fazer algo nesse lugar – conta Bellora.
Como ideia inicial, Rodrigo Bellora queria utilizar o lugar para desenvolver o turismo de aventura na região. O projeto seria a construção de uma casa para receber o público:
Meu primeiro investimento foi comprar algumas bicicletas. Queria promover passeios pelo Vale dos Vinhedos. Acho que essa foi a primeira vez que fui à falência - brinca.
Porém, junto com o público, também veio a necessidade de preparar comidinhas deliciosas. O chef recebia seu público preparando pizzas no antigo forno à lenha da casa.
– Comecei a receber os amigos e a preparar pizzas. Eu tentava de tudo. Nunca tinha cozinhado profissionalmente. Quando vi, o negócio tinha dado certo, estava abrindo aos finais de semana para isso. Minhas pizzas eram diferentes, eu fazia com o queijo da nonna, o salame do vizinho, o tomate que eu plantava. Na verdade, já tinha a ideia do ingrediente local. Foi então que o pessoal começou a comentar "tem um louco fazendo pizza no meio do mato"– conta o chef.
Bellora acredita que o que poderia ser um problema acabou se tornando o grande diferencial do lugar. O fato de ser distante e em uma região de difícil acesso fez com que a curiosidade despertasse entre as pessoas:
Eu sempre digo que para vir aqui tinha que ter muita vontade, acho que hoje é quase impossível fazer isso de novo. Naquele momento, o Vale dos Vinhedos não tinha a visibilidade que hoje tem. Atualmente, tudo é muito rápido, temos asfalto inclusive.
Com o andamento do projeto, o chef buscou formação no curso de gastronomia do Senac RS e adaptou a casa para que ela pudesse comportar uma cozinha profissional. Os estudos se aprofundaram, mas Bellora acredita que a virada em sua vida ocorreu após uma viagem para Itália.
Quando menos esperei, eu estava tocando um restaurante de verdade. Nesse tempo, tive uma oportunidade de ir para a Itália. Passei em uma seleção e foi lindo, mudou toda a minha vida. Observei a maneira como serviam, o respeito que tinham pelo alimento, o cuidado com a mesa e os tempos. Eu queria reproduzir por aqui tudo o que tinha aprendido lá. Aprendi que tinha que fazer as coisas bem-feitas, sem importar se estou na colônia, por exemplo – conta Rodrigo.
Hoje, o restaurante segue os conceitos da ecogastronomia, que busca oferecer convívio com a natureza, produzir alimentos saudáveis e surpreender os clientes por meio da simplicidade e da excelência dos pratos ricos em sabores.
O SLOW FOOD COMO FILOSOFIA DE VIDA
Desde 2008, quando o Valle Rústico deu seus primeiros passos, Rodrigo Bellora começou a se interessar pelos conceitos do slow food e da ecogastronomia. A valorização de ingredientes e produtores locais passou a fazer parte da cozinha autoral do chef e também da sua vida.
– Minha aproximação com o local se deu de forma muito natural. Desde que passei a morar nessas terras decidi que comeria o que eu mesmo produzisse. Nunca quis esperar me aposentar para poder levar essa vida. Foi então que entendi que as pessoas que vinham aqui também não queriam apenas a comida, mas a ligação com a natureza. – conta Rodrigo.
De início, Bellora não sabia que essa forma de conduzir a alimentação levava o nome de slow food. A descoberta veio de um cliente, que lhe apresentou um livro e desmistificou os conceitos para o chef.
Como filosofia, o slow food afirma que a forma como nos alimentamos tem profunda influência no que nos rodeia - seja a paisagem, a biodiversidade ou a terra. Para um gastrônomo que segue a filosofia, é impossível ignorar as relações existentes entre prato e planeta, é preciso levar em consideração.
– Penso em como vou deixar o mundo para o meu filho. Acredito no slow food e o vivo por completo. Não tenho supermercados parceiros por exemplo, trabalho somente com produtores locais e vou adaptando meu cardápio com o que eles podem me entregar. A gestão de um restaurante assim é totalmente diferente – reflete Bellora.
Apesar de comprar de uma rede de produtores locais, que abastecem o restaurante com alguns tipos de carnes, o Valle Rústico também mantém uma horta própria. Dela saem cenouras, aipins laranjas, limões, bergamotas e diversos outros ingredientes, todos seguindo a biodiversidade.
De que adianta comprar um milhão de tomates da Itália? Se a gente fortalece o nosso entorno, tudo fica melhor por aqui, movimentamos a economia. Talvez não seja o melhor produto, mas é o que tem o sabor da nossa terra – afirma o chef.
Para a montagem do cardápio, Rodrigo Bellora pensa a partir dos ingredientes disponíveis as receitas que quer oferecer no restaurante. Devido à forma como é feito o abastecimento dos produtos, alguns pratos podem sofrer modificações diárias, tornando a gastronomia do lugar ainda mais fresca, sazonal e criativa.
O chef também participa de expedições pelo país em busca de novos ingredientes. Recentemente, esteve na Bahia para descobrir os sabores do cacau, desde o plantio até a embalagem do chocolate artesanal para comercialização.
E é em função dessas modificações, e depois de diversos testes, que o Valle Rústico agora tem um cardápio de pratos à la carte, além do conhecido menu degustação de dez tempos.
– Algumas pessoas acham que vamos servir pratos elaboradíssimos e estrelados. Claro que utilizamos técnica na nossa cozinha, mas todos precisam entender que vamos servir alimentos vindos da terra - explica Bellora. O nosso grande diferencial é fazermos o que falamos. De fato, seguimos os conceitos do Valle Rústico como filosofia de vida. Não consigo pensar no restaurante de outra maneira que não essa como ele é - completa.
Para o futuro, ele está finalizando uma consultoria para um novo hotel do grupo Casa da Montanha, em Gramado. Ele irá assinar o cardápio do lugar, que também seguirá as filosofias do slow food. O chef destaca que o empreendimento será baseado na culinária local da Serra e terá como público os apaixonados por gastronomia.