A Tailândia sempre foi um dos lugares que mais sonhava em conhecer, desde que comecei a me relacionar profissionalmente com gastronomia. Não sei explicar direito os motivos, porque são vários, mas o meu amor (e dependência) por pimenta e minha eterna curiosidade por provar tudo que é barraquinha de comida em qualquer calçada que eu cruze, certamente são alguns deles.
Por maior que seja o preparo espiritual e o apetite, é fundamental contextualizar uma porrada de coisas, até mesmo para aqueles, como eu, que gostam de surpresas lidando com as incertezas de lugares exóticos. Cara, na Tailândia isso não funciona.
Antes de mais nada, se essa tua viagem for tua primeira experiência na Ásia, sendo Bangkok tua porta de entrada, será necessário, mais ou menos, uns dois dias para entender tudo que está acontecendo. Passado esse sustinho com o caos, a dificuldade para se comunicar, o choque cultural e a sensação de estar realmente bem longe da zona de conforto é que dá para começar a ver todas as maravilhas que essa cidade tem para oferecer.
E assim como o gringo se choca quando vem ao Brasil e descobre que cozinha brasileira não é apenas feijoada, chegando lá a gente se choca de igual maneira por perceber que cozinha tailandesa é muito mais do que padthai. Basta olhar o tamanho do país para concluir que, de fato, ele é bem grande para se resumir a um único prato, e que a cozinha do norte é completamente diferente da do centro, que por sua vez também é muito diferente da cozinha do sul.
Também é necessário fazer um exercício de abstrair aquela imagem de restaurante tailandês que criamos com nossas referências aqui no país, que sempre está bem próximo daquele clima de praia, bambu, madeira, luz baixa, loungezinho tocando suave ao fundo, etc e tal. As experiências gastronômicas mais imperdíveis estão na rua, em qualquer barraca, em qualquer calçada. Pode confiar, ali estão as grandes estrelas Michelin da sua viagem.
Sabe o motivo? Primeiro por causa da grana curta, lá realidade é outra, e a falta de espaço também. A maioria dos imóveis são apenas dormitórios, não tem nem cozinha. A sala de jantar das pessoas passou a ser a rua. Por isso que Bangkok tornou-se a capital mundial da comida de rua. Não por moda, mas sim porque essa é a causa deles, essa é a verdade deles.
Querendo ir além e conhecer isso mais à fundo, existem dois programas que considero imperdíveis e mostram direitinho o significado que uma boca de fogão têm na cultura deles. Ambos podem ser feitos em uma mesma tocada, na sequência. O primeiro é o mercado do trem, chamado Maeklong Railway Market. Ele é o fim de alguma linha, e é interrompido pelo trem apenas algumas vezes durante o dia, por isso é legal casar a ida com uma dessas escalas.
É surreal o lance, por falta de espaço e para aproveitar a viagem das pessoas que utilizam essa linha, as pessoas montam a feira em cima dos trilhos. Em alguns momentos dá até para esquecer o perigo porque mais parece um túnel ou sei lá o que. Ninguém ali age como se algo de diferente pudesse acontecer e causar uma gincana para desfazer tudo aquilo, e remontar logo em seguida.
O trem passa, as pessoas fingem que não tão nem aí, daí como o goleiro que espera o atacante chegar bem pertinho para pegar a bola com as mãos, as pessoas aguardam até o último milésimo para recolher as coisas e se espremer na parede, como se estivessem aguardando para atravessar a rua, e voltam à vida no segundo seguinte. É mais chocante ainda pensar que eles não fazem isso para ser relevante, nem para gerar um buzz no instagram de influenciadores, mas sim por sobrevivência, sabe-se lá há quantos anos, inúmeras vezes ao dia.
Um pouco mais adiante tem o Damnoen Suduak, conhecido como “Mercado Flutuante”. Da mesma forma, não foi pensado para descentralizar a gastronomia do centro de Bangkok, nem para ser um business de um empresário que estava com vontade de investir nesse segmento de food park’s. As pessoas que moram nesse aterro cheio de canais, no meio de um banhado, nem sabem que existe Bangkok. Dependem economicamente dessa troca de produtos e insumos entre si. Nós, curiosos, de certa forma interferimos na rotina dos caras e, portanto, temos a obrigação de agir com todo o respeito, e não como se estivéssemos em um safari no deserto africano.
Não tenha medo, ali é tudo fresco e de ótima procedência. Muito mais confiável do que alguns produtos industrializados que encontramos nas gôndolas de supermercados. Deixe sua curiosidade conduzi-lo, e seja querido caso não queira, agradecendo com a cabeça, sempre acompanhado daquele mesmo sorriso que eles nos presenteiam.
Depois de passar por essa triagem, dá para refazer no nosso acervo de referências uma nova imagem da verdadeira experiência gastronômica tailandesa. Tanto é que saí de casa com uma lista de diversos restaurantes supostamente imperdíveis, e acabei deixando-os de lado, por perceber que as pessoas que vão a Bangkok e pulam de um restaurante para o outro, na verdade não conheceram Bangkok porque desdenharam do que ela tem de melhor e de barato.
Mas para não ser separatista, escolhi duas experiências que considerei imperdíveis nem que fossem para contar como argumento para toda essa minha tese. Uma delas é o Blue Elephant, a escola de gastronomia tailandesa responsável por formar os chefs de cozinha thai mais conhecidos do mundo (reparem que não falei “os melhores”, pois esses, como falei acima, estão nas ruas).
Não consegui fazer nenhum curso, mesmo porque não tinha essa pretensão. Mas jantamos lá e pudemos escolher dois caminhos de menu degustação: Royal Thai Banquet, ou o Royal Thai Symphony Menu. Ambos têm cinco etapas, que em cada uma delas trás uma diversidade de potinhos, cumbuquinhas, pratinhos e tal, proporcionando a chance de provar um pouco de cada parte do país.
Não lembro exatamente a diferença entre os dois, só recordo que pedi o Royal Thai Banquet porque ele era composto por pratos onde o nível de pimenta era bem mais acentuado que o Royal Thai Symphony, a escolha da Re.
A outra escolha foi o Nahm, o 22 na lista do World’s 50 Best Restaurants, e o 7 na Asia’s 50 Best Restaurants. Pô, temos ai duas ótimas credenciais! Aí refiz novamente a minha referência de restaurante fodão, pois descobri que a maioria dos restaurantes tradicionais da cidade ficam em hotéis. O Nahm fica no Metropolitan, por exemplo. Nada contra, eu acho fantástico e inclusive alguns dos melhores restaurantes da minha lista pessoal ficam em hotéis. Acontece que não é exatamente o tipo de experiência gastronômica que a gente espera em Bangkok, cidade que materializa toda a nossa curiosidade, apetite e paixão pela cozinha tailandesa.
Pedimos o menu degustação, até porque o objetivo era entender direitinho as credenciais do lugar. Quer saber mais? Pedimos para não aliviarem na pimenta, fomos no “thai style” mesmo, e derrubamos esse mito, porque foi super tranquilo, tanto é que estou aqui vivinho da silva escrevendo este texto!
To escrevendo tudo isso para dizer que a Ásia é apaixonante. Que por mais difícil que seja, não dá para ir cheio de expectativas, mas deixar que a coisa se mostre naturalmente para gente. E para que não te frustres caso não role aquela paixão logo de cara. Demora um pouquinho, mas é amor na certa. Confiam em mim.
Aos poucos dá para começar a se situar, entender onde estão as coisas. Percebe que ao contrário dos primeiros dez minutos lá, quando certamente vais achar que 4 dias é tempo demais, na verdade não dá nem para começar a entender o que fica de um lado do rio e o que fica do outro. Até porque os deslocamentos não são calculados pela distância e sim pelo tempo, e isso faz toda a diferença na hora de planejar a logística lá. E que assim como em Roma, onde a gente tropeça nos monumentos, e no Cairo, que as pirâmides estão no meio da cidade, aqui também é assim e existe um templo em cada esquina, em uma quantidade bem maior do que a gente imaginava. E um novo amor em cada esquina também!
Blue Elephant
233 South Sathorn Road
Kwaeng Yannawa, Khet Sathorn
Fone: +66 (2) 673 9353
Todos os cartões
www.blueelephant.com/bangkok
Nahm
27 South Sathorn Road
Tungmahamek Sathorn
Fone: +66 (2) 625 3333
Todos os cartões
www.comohotels.com/metropolitanbangkok/dining/nahm