Punta del Este é uma coisa muito séria. Na própria imigração, fronteira entre os dois países, a gente parece que esquece o tempo de estrada até lá, e age como se estivesse ingressando num portal do mundo mágico, onde não existe violência, preocupações e a vida passa mais devagar, no ritmo certo.
Ir ao Uruguai é como visitar a história, viver o passado ainda livre de todos os males que tomaram conta destes tempos. Quanto mais vezes por lá, maior é o amor pelo balneário e pelo país como um todo.
Dessa vez optei por fazer uma experiência diferente, num clima mais campeiro, já que a previsão do feriado não indicava praia. Aproveitei que nunca havíamos ficado em José Ignacio e nos hospedamos por lá, num lugar chamado Estancia Vik, grupo que também detém outros dois projetos por ali, como o Bahia Vik, o Playa Vik, além da Vinã Vik no Chile, onde produzem o vinho "da casa".
Foi uma das maiores aulas de serviço que tive na vida, mesmo porque eles seguem uma linha que tentamos implementar nas atividades aqui na Casa Destemperados, que é fazer as pessoas se sentirem em suas próprias casas. Não tem check-in, não tem recepção, não tem carrinho de limpeza circulando, não tem gente arrastando mala pelos corredores. Por sinal, os hóspedes não se veem muito, a não ser na área comum, pois os quartos têm comunicação quase independente.
O hotel como um todo pode ser considerado uma galeria de arte, e não só pela riqueza de detalhes, que é de encher os olhos de qualquer um. Aliás, proveitem bem a foto abaixo porque será uma das únicas em que essa tabuinha aparecerá assim intacta. Tenho uma teoria já comprovada que trata sobre pararmos de comer instantes depois de trocarmos o prato sujo pelo limpo. Não gosto de correr esse risco.
Mas voltando ao hotel, ele abriga grande parte do acervo do Vik (empresário norueguês proprietário do grupo), com coisas garimpadas em diversos leilões mundo afora. Um desses lugares é num espaço dedicado à cultura do assado e que sedia todos os sábados uma noite de parrilla aberta ao público, e que fizemos questão de aproveitar. Foi uma parrilla pilotada pelo chef da casa, Marcelo Betancourt, responsável por servir em volta do fogo um menu degustação dos sonhos, harmonizado com o vinho da casa.
Até tinha uma saladinha na entrada mas o cheiro de lenha no fogo gera fome na alma, que só é acalmada com sustância. Esses são os momentos em que esqueço meu déficit de atenção (por mais contraditório que possa ser incluir "esqueço" e "déficit de atenção" na mesma frase) e canalizo meu foco apenas nos pratos quentes. Nem o pão uruguaio consegue atrair meu foco nessas horas.
O começo foi uma linguicinha padrão, para abrir os (meus) trabalhos. Na verdade, minto: iniciamos mesmo com um provolone derretido no pimentão, mas essa foto vou ficar devendo.
Muito embora fosse permitido repetir, me determinei a provar de tudo para depois voltar aos meus preferidos. Então segui adiante e parti para a molleja, um corte exótico que nem todos gostam, mas quem curte sabe o que eu to falando.
Viu, já tá suja a tábua. Como tem que ser! Foi esta a hora em que recebi o bife ancho cortado em tirinhas. Tirinhas infinitas. Vem sem parar porque essa é uma das especialidades da terra. Diria que é um corte de terroir!
O próximo foi o meu preferido entre todos os demais, sempre. Não hoje, não nessa vez, mas todos os dias: assado de tira. Tem carne. Tem gordura. Tem osso. Tem tudo que precisa para me deixar feliz. A tabuinha suja atesta o sucesso da empreitada.
Na sequência, chegou uma tapa de bife ancho, aquela bordinha que protege o centro do ancho e que por sua vez atende pelo nome de "ojo de bife". Fueda, hermano.
Last but not least, a picanha de cordeiro representando a caravana dos caprinos. Timing perfeito, porque cordeiro demora mais, precisa de mais tempo de fogo, e por isso vem no fim. Tão bom quanto todos os demais.
Fechamos todos com a única coisa possível nesse momento, uma panqueca de dulce de leche, a melhor sobremesa do mundo. Tão boa, tão boa, tão boa, que deveria ser vendida prontinha assim, express.
Assisti esses dias a uma entrevista com o Mujica, ex-presidente da República Federativa do Uruguai. Entre tantas coisas legais ele comentou que "quando compramos algo, não pagamos com dinheiro e sim com o tempo de vida que tivemos que gastar para conquistar essa grana, porém com uma diferença: tudo se compra, menos a vida. A vida se gasta, e é lamentável gastar a vida com momentos que não nos tragam felicidade". Lugares assim, e experiências como esta, são momentos em que paramos um pouco para refletir nos fazem percebem que neste contexto todo, 85 dólares por pessoa é ok (lembrando que: quem converte não se diverte), faz a vida valer a pena!
Estancia Vik
Camino Eugenio Sainz Martínez, 20402
José Ignácio - Uruguai
Fone: +598 94 605 212
www.estanciavikjoseignacio.com
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