A história já é bem conhecida: personagem sofre acidente e acaba perdendo o movimento das pernas, mas tempos depois, se recupera milagrosamente e volta a andar. É como se o final feliz estivesse atrelado ao fato de levantar de uma cadeira de rodas. De Edu (Reynaldo Gianecchini), em Laços de Família (2000) a Jonas (Mateus Solano), em Elas por Elas (2023), a recuperação rápida de personagens que sofreram alguma lesão na coluna sempre foi a solução mais utilizada por autores de novelas. Nem sempre as questões a respeito de pessoas com deficiência foram abordadas de forma correta e respeitosa, entretanto, muita coisa mudou no audiovisual nos últimos anos. A diversidade está presente em novelas e minisséries, propiciando que as histórias de superação, acessibilidade e inclusão sejam contadas por quem realmente sofre na pele cada dificuldade.
Neste sábado, é Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência. Relembre algumas novelas e minisséries que fizeram história e mostraram novas perspectivas quando o assunto é inclusão.
Falta de oportunidades
A primeira atriz cega a atuar em uma novela foi Danieli Haloten, que viveu Anita, em Caras & Bocas (2009). A personagem era irmã do protagonista Gabriel (Malvino Salvador), tinha uma história própria e até um par romântico. No entanto, depois disso, Danieli não conseguiu novas oportunidades na atuação.
– Algumas agências de atores não me aceitaram. No jornalismo, já disseram que tinham vaga, mas, quando eu cheguei, a vaga tinha sumido – comentou, em entrevista ao jornal Extra, há alguns anos.
Atualmente, ela é formada em Direito e atua na área jurídica.
Exemplo de inclusão
A novela Todas as Flores (2022) mostrou que a inclusão de profissionais com deficiência pode ser feita em todas etapas da produção de uma novela. Além de ter vários atores cegos em cena, como Camila Alves, a trama de João Emanuel Carneiro também contava com pessoas com deficiência por trás das câmeras. Já na coletiva de imprensa virtual que apresentava a novela, o pedido para que todos fizessem autodescrição – "sou uma mulher branca, cabelos compridos, etc." – reforçava a ideia de que é possível incluir a todos pensando nos detalhes.
Final feliz
Podemos dizer que a abordagem de assuntos ligados à pessoa com deficiência começou a mudar na novela Viver a Vida (2009). Na história de Manoel Carlos, Luciana (Alinne Moraes) sofreu um grave acidente que a deixou tetraplégica. Não houve "coitadismo" ou vitimização da personagem, pelo contrário. O autor mostrou que a jovem poderia ter uma vida plena, amar e ser amada, sair com os amigos, casar e ter filhos. O "final feliz" de Lu e seu par romântico, Miguel (Mateus Solano), não carecia de uma solução mágica que fizesse a moça voltar a andar.
Humilhação não é entretenimento
Se tivemos, ao longo dos últimos anos, vários avanços, também sofremos com retrocessos. Na novela O Outro Lado do Paraíso (2017), a atriz Juliana Caldas interpretava Estela. Ter uma pessoa com nanismo em uma novela das nove foi um movimento positivo, o problema foi a abordagem. Na trama, Estela era humilhada pela mãe, Sophia (Marieta Severo), que a chamava de "aberração" e "monstrinho". Por mais que a vilã fosse cruel, Walcyr Carrasco pesou a mão, beirando o grotesco.
"Moça bunita"
Em mais uma abordagem inédita, Manoel Carlos fez de Páginas da Vida (2006) a "novela da Clarinha", personagem da pequena Joana Mocarzel, uma criança com Síndrome de Down. Adotada por Helena (Regina Duarte), a menina sofreu preconceito na escola, foi relegada a segundo plano pela professora, que não a considerava capaz de realizar as mesmas atividades que seus coleguinhas. A situação provocou a fúria de Helena, que deu várias lições de moral na educadora e até na diretora da escolinha.
Independência, sim!
Na novela Um Lugar ao Sol (2022), a abordagem da Síndrome de Down era mais focada na independência e autonomia na fase adulta. Mel (Samanta Quadrado) era uma jovem superprotegida pelos pais, que não a deixavam morar sozinha. Aos poucos, a moça provou que era capaz de ser independente e até namorar, surpreendendo a todos ao seu redor por sua determinação.
Personagem relevante
Tabata Contri foi a primeira atriz cadeirante a ter um papel relevante em novela. A advogada Juliana de Travessia (2022) foi crucial na vida da mocinha Brisa (Lucy Alves). Além disso, a personagem tinha uma história própria, namorava e brigava pelas questões de acessibilidade. Foi uma luta árdua para que seu Nunes (Orã Figueiredo) colocasse uma rampa no bar, rendendo bons debates sobre acessibilidade.
O poder da tecnologia
A série Justiça 2, disponível no Globoplay, trouxe um avanço impressionante ao usar a tecnologia a favor da inclusão. O ator Luciano Mallmann, intérprete de Cassiano, é cadeirante também na vida real. Na história, era necessário mostrar como o personagem ficou paraplégico, anos antes. Aí que entrou a inteligência artificial! O recurso possibilitou que fosse mostrada uma cena de Cassiano caminhando, e posteriormente, sendo atacado pelo homofóbico Nestor (Marco Ricca). É uma ótima saída para que mais atores com deficiência tenham oportunidades no audiovisual.
Para ler
A importância da representatividade está em todos os setores artísticos. Recentemente, li o ótimo Interseção (R$ 50,90), escrito pela baiana Vanessa Reis. Sentindo falta de romances com personagens cadeirantes nas livrarias, a autora criou a história de Catarina, uma jovem que se envolve em uma história de amor clichê, de implicância que se transforma em paixão. O diferencial é que a protagonista é uma mulher com deficiência, e isso não é o foco, apenas uma característica, como a cor da pele ou dos cabelos.