A série Quiet on Set: The Dark Side of Kids TV (Silêncio no Set: o Lado Obscuro das Crianças na TV, na tradução literal), que estreou no dia 17 de março nos Estados Unidos, tem revelado histórias de abusos nos bastidores da Nickelodeon. O seriado documental é dividido em quatro episódios em que atores internacionalmente famosos relatam casos de pedofilia, abuso e assédio sexual, racismo, sexismo e comportamento inadequado que presenciaram com atores mirins. Por enquanto, a produção não tem data de estreia confirmada no Brasil.
Veja o trailer:
No centro dos relatos, está Dan Scheneider, um dos maiores produtores do canal. Na quinta-feira (21), o produtor veio a público para pedir desculpas aos atores que apareceram na série e relataram diversos abusos. O arrependimento público ocorreu em uma entrevista ao ator BooG!e, que interpretou o atendente T-Bo na série iCarly.
— Assistir isso ao longo das últimas noites foi muito difícil. Estou enfrentando meus comportamentos do passado, alguns dos quais são constrangedores e dos quais me arrependo. Definitivamente, devo o mais profundo pedido de desculpas a algumas pessoas — disse Dan no vídeo de 19 minutos, publicado no YouTube.
Apesar das repercussões do documentário, muitas celebridades que também ganharam fama pelos seriados ainda não se pronunciaram, como Amanda Bynes (O Show da Amanda), Kenan Thompson e Kel Mitchell (Kenan & Kel), Jamie Lynn Spears (Zoey 101), Victoria Justice e Ariana Grande (Brilhante Victoria) e o grupo Miranda Cosgrove, Jennette McCurdy, Jerry Trainor e Nathan Kress (iCarly). Alguns casos, como os de Amanda e Ariana, foram mencionados na produção.
Quem aparece em Quiet on Set
Dan Schneider
Daniel James Schneider é ator, roteirista e produtor. Ele é o grande nome por trás de shows infantis como iCarly (2007), Kenan & Kel (1996), Drake & Josh (2004), Zoey 101 (2005) e The Amanda Show (1999).
No relato de Jenny Kilgen, ex-roteirista de um dos programas produzidos por Schneider, ela afirma que Dan pedia massagens em troca de adicionar textos na série. Kilgen disse que o produtor sempre fazia isso em tom de brincadeira, mas ela sentia que não podia discordar dele ou seria demitida.
Dan já havia sido exposto por promover um ambiente de trabalho tóxico em 2018, quando ocorreu o movimento #MeToo, que denunciava casos de assédio e abuso sexual na indústria. Na ocasião, os relatos diziam que o produtor tinha comportamentos inadequados, fazia piadas de cunho sexual em locais repletos de crianças e cometia agressões verbais. Essas denúncias fizeram com que a emissora encerrasse o contrato com ele.
No vídeo de desculpas, o produtor diz que é comum que piadas e tópicos inadequados sejam feitos nas salas de roteiristas, mas que se envergonha de suas atitudes.
— Odeio o fato de que alguém que tenha trabalhado comigo não tenha se divertido. Por muitos momentos nos quais estava assistindo ao documentário, eu quis pegar o telefone e ligar para algumas pessoas e dizer: "Me desculpe, vamos falar sobre isso, espero que esteja melhor e gostaria que pudesse ter te proporcionado uma experiência melhor" — disse Dan.
Brian Peck
Ex-ator, roteirista, treinador de diálogo, diretor e produtor, Brian Peck foi preso em 2003 e condenado em 2004 por abusar sexualmente de um ator infantil da Nickelodeon. Peck foi condenado a um ano e quatro meses de prisão, além de passar a integrar permanentemente um registro de criminosos sexuais.
Na série documental, o caso voltou à tona quando o ator Drake Bell, de Drake & Josh, revelou que ele era a vítima de abuso sexual que levou o produtor à prisão.
No relato de Drake, ele afirma que Peck era seu treinador de diálogo e começou a fazer questão de participar da sua vida pessoal. Segundo seu relato, ele o convidava para viajar, participava de seus shows, aniversários e levava e buscava o ator mirim ao trabalho. Os abusos começaram quando Drake tinha 15 anos.
O que aconteceu com Drake Bell
Protagonista de diversas séries adolescentes, e conhecido no Brasil principalmente por seu papel em Drake & Josh, Drake Bell revelou ter sofrido abuso sexual de Brian Peck no que foi um dos relatos mais repercutidos do documentário.
Com a repercussão, a Nickelodeon emitiu um comunicado sobre o caso, afirmando que seus representantes estão tristes e abismados com o trauma que ele teve de suportar enquanto trabalhava nas produções.
"Agora que Drake Bell revelou sua identidade como demandante no caso de 2004, estamos consternados e tristes ao saber do trauma que ele sofreu, e elogiamos e apoiamos a força necessária para avançar", diz o comunicado.
Quem também se solidarizou com o caso foi a dupla de atuação, o ator Josh Peck — que, apesar do mesmo sobrenome, não tem parentesco com o abusador de Drake. Após o depoimento do colega no documentário, o ator foi questionado sobre não ter se pronunciado. Na quinta-feira, ele escreveu sobre o caso em seu perfil no Instagram.
"Eu terminei o documentário Quiet On Set e levei alguns dias para processar tudo. Entrei em contato com o Drake em particular, mas queria expressar meu apoio aos sobreviventes que tiveram coragem de compartilhar suas histórias de abuso emocional e físico nos sets da Nickelodeon com o mundo", escreveu.
O que aconteceu com Ariana Grande
A atriz e cantora Ariana Grande é uma das estrelas pop mais bem-sucedidas do pós-séries teen. Na adolescência, participou de Brilhante Victoria (2010) interpretando Cat, um de seus principais papéis na carreira de atuação. A personagem foi reprisada em Sam & Cat (2013), quando dividiu a tela com Jennette McCurdy.
Ariana não aparece dando seu relato no documentário, mas imagens suas em uma das séries foram resgatadas e geraram revolta no público. Nos trechos, a cantora aparece falando e fazendo ações de duplo sentido, atribuindo teor sexual às cenas.
O vídeo mostra a cantora deitada em uma cama e se molhando com uma garrafa de água, segurando objetos de forma sexualizada e, muitas vezes, usando até a própria boca. Uma cena mostra Ariana tentando "ordenhar" uma batata, enquanto faz sons de gemidos. Além da sexualização direta, a personagem também era infantilizada, e as duas coisas frequentemente aconteciam ao mesmo tempo.
O que aconteceu com Amanda Bynes
Amanda Bynes, 36, começou a atuar cedo. Em uma entrevista de 2018, a artista contou ter um agente aos sete anos. Ela ganhou fama em All That (1996-2002), da Nickelodeon, o que a impulsionou a ter o próprio programa solo. O Show da Amanda começou em 1999, quando Bynes tinha 13 anos, e seguiu até 2002.
A atriz ganhou notoriedade com filmes e séries que protagonizou ao longo da década de 2000, como Tudo que uma Garota Quer (2003) e Ela é o Cara (2006). O último trabalho de Amanda na indústria foi em 2010, no longa A Mentira. Ela anunciou sua aposentadoria no mesmo ano. "Eu não amo mais atuar, então decidi parar de fazer isso", disse, na época, em uma publicação no X (Twitter).
Em 2013, Amanda precisou ser internada e sua tutela foi cedida para sua mãe. A estrela mirim vivia em um momento de abuso de álcool e drogas, com surtos psicóticos que a levaram à internação. O regime de tutela, encerrado em 2022, foi comparado ao de Britney Spears e seu pai. Bynes voltou a ser internada em 2023, primeiramente de forma compulsória, e depois por vontade própria.
Os abusos no set de O Show de Amanda também foram retratados no documentário Quiet on Set. As únicas duas roteiristas do seriado, Christy Stratton e Jenny Kilgen, foram vítimas de um ambiente de trabalho nocivo.
Kilgen contou que, além da dupla precisar dividir um único salário, as conversas da equipe frequentemente assumiam um tom sexualizado e até mesmo humilhante. Ela lembrou que, uma vez, Schneider pediu que Stratton apresentasse um roteiro deitada em uma mesa, simulando sodomia. A roteirista também relatou que o produtor transmitia pornografia na sala da equipe.