Não houve quem não gostou do remake de Pantanal, houve quem não assistiu. A novela escrita por Bruno Luperi sobre o texto original do avô, Benedito Ruy Barbosa, autor da primeira versão, chega ao fim nesta sexta-feira (7) como um verdadeiro fenômeno, exemplo a ser seguido pelas próximas produções da Globo.
As histórias de amor, vingança e misticismo ambientadas no Brasil profundo da região pantaneira tornaram-se capazes de unir em frente à televisão um país polarizado. Pelo menos durante os pouco mais de 60 minutos de duração dos capítulos da novela, a divisão deu uma trégua, e o Brasil parou, seja para torcer pelo final feliz de Juma (Alanis Guillen) e Jove (Jesuíta Barbosa), ver a volta por cima de Maria Bruaca (Isabel Teixeira) ou ansiar pela desgraça do vilão Tenório (Murilo Benício).
Pantanal não somente virou um dos principais assuntos das rodas de conversa, como tornou-se a bola da vez também nas redes sociais. Rendeu memes, figurinhas de WhatsApp, vídeos no TikTok, podcasts e grupos de discussão em diferentes plataformas. Assistir à novela transformou-se em um hábito tão intrínseco ao cotidiano de grande parte dos brasileiros nos últimos sete meses que mesmo quem não a assistia dificilmente conseguiu passar ileso pelos seus principais acontecimentos.
Ou seja, o folhetim estava por toda parte, reascendendo uma onipresença que não era vista na televisão brasileira desde Avenida Brasil, novela que há exatos 10 anos, em 2012, também parou o país. O fenômeno se expressa em números: Pantanal fez crescer em 34% a audiência do horário nobre da Globo em comparação com a novela anterior, Um Lugar ao Sol.
Conforme a pesquisadora Maria Immacolata Lopes, coordenadora do Centro de Estudos de Telenovela da USP e professora da Escola de Comunicação e Artes da mesma universidade, não há fórmula que explique os bons resultados alcançados por Pantanal, mas uma soma de vários acertos. O principal deles, avalia a especialista, é a capacidade que a novela teve de dialogar com os tempos atuais, mesmo reproduzindo uma história escrita nos anos 1990.
— O sucesso dessa novela é como uma rosa da qual você vai tirando pétalas e mais pétalas. É algo muito complexo. Não complexo no sentido de ser difícil de entender, mas porque foram muitos fatores que levaram a isso — afirma a pesquisadora. — Na história da televisão no Brasil, há momentos em que a telenovela conseguiu captar de uma forma extraordinária o que estava se vivendo. Nesses momentos, acabou se transformando naquilo que chamamos de "evento midiático". É quando todo mundo fala da telenovela, quando ela alcança audiências muito elevadas e quando o país para em função dela. Uma novela só consegue parar o país quando capta extraordinariamente bem o que está acontecendo nele.
O remake de Pantanal fez isso ao trazer para a trama temas que são caros ao Brasil de 2022. Entre outras, pautas como a destruição do meio ambiente, que esteve presente durante toda a narrativa, representada sobretudo pela figura do Velho do Rio (Osmar Prado), o protetor do Pantanal; homofobia e masculinidade tóxica, abordadas com maior ênfase no arco dos personagens Zaquieu (Silvero Pereira) e Alcides (Juliano Cazarré); racismo, visto no núcleo da segunda família do vilão Tenório; e desigualdade de gênero, temática que atravessava o dia a dia da maioria das personagens femininas do folhetim, com destaque para Maria Bruaca, que tornou-se uma espécie de diva pop entre os espectadores mais jovens.
Este, aliás, é um dos maiores méritos de Pantanal. A novela conseguiu trazer para a frente da televisão uma geração que sequer costumava assistir à TV aberta, que dirá às suas novelas, por vezes tidas como uma forma de entretenimento ultrapassada. Entretanto, o folhetim fez subir 30% a audiência da Globo entre o público de 15 a 29 anos, a ponto de quase metade dos espectadores desta faixa etária que assistem à televisão aberta no horário nobre estar assistindo a Pantanal, conforme dados da emissora.
Fora aqueles que assistiram à trama no Globoplay, onde os capítulos foram disponibilizados diariamente, após irem ao ar na TV aberta, em uma estratégia que também contribuiu significativamente para o sucesso da novela. A possibilidade de assistir a qualquer horário fez a plataforma virar queridinha dos fãs jovens de Pantanal, pouco acostumados à dinâmica folhetinesca de ter um horário fixo para a exibição. O remake de Pantanal tornou-se a novela mais vista da plataforma desde o seu lançamento em 2015, superando todas as dezenas de folhetins que também estão disponíveis por lá.
Mas além de criar essas estratégias para fisgar o espectador jovem, a novela também conseguiu abraçar o público tradicional do gênero novelístico, como aponta a pesquisadora Maria Immacolata. Grande parte dele inclusive já havia assistido à primeira versão da novela, o que contribuiu para a curiosidade que se criou em torno do remake assim que ele foi anunciado. Tal curiosidade era natural, afinal, a primeira versão de Pantanal foi também um fenômeno da sua época. E é aí que mora outro ponto-chave para o sucesso do remake: ele reconta uma história igualmente de sucesso.
— Já tivemos muitos remakes, mas igual a esse, nenhum. Houve uma Pantanal de 1990 que ficou na história por ter sido a novela que bateu a audiência da Globo. Hoje, ainda se lembra do que foi essa novela. Quem não lembra, certamente ouviu falar. Por isso, assim que se anunciou Pantanal em 2022, isso já gerou uma curiosidade sobre como seria esse remake, sobre quem eram os novos atores... Foi algo que inclusive prejudicou a novela anterior, Um Lugar ao Sol, porque todos os olhares se voltaram para Pantanal — diz Maria Immacolata.
Só que entre gerar curiosidade e conseguir de fato agradar a quem assistiu à trama original, há muita estrada de chão, mas uma estrada que soube ser percorrida pelo autor Bruno Luperi. Se por um lado o neto de Benedito Rui Barbosa atualizou o texto do avô, incluindo as discussões dos tempos atuais e atraindo assim aos espectadores mais jovens, também se manteve fiel ao desenrolar narrativo da trama, evitando que o público da velha guarda torcesse o nariz para sua história.
Somado a tudo isso, há ainda a indiscutível qualidade estética da novela, os esforços de produção, o bom trabalho realizado pelo elenco e pela equipe de direção, e uma série de outros fatores que ainda vão render pauta para dezenas de trabalhos acadêmicos dispostos a compreender o sucesso de Pantanal, conforme aposta a professora da USP. Mas se todo esse sucesso vai respingar ao menos um pouquinho nas produções vindouras, não há como saber. As únicas certezas até o momento são três: Pantanal é um fenômeno incontestável, o gênero das telenovelas está muito longe de morrer — diferentemente do que uma ala alarmista dos estudos da televisão vinha prevendo —, e as coisas não vão ser muito fáceis para a sucessora Travessia, que estreia na próxima segunda-feira (10).