Saul Goodman aposenta seus ternos extravagantes nesta terça (16), quando vai ao ar o último episódio de Better Call Saul. A despedida marca também o fim do universo criado por Vince Gilligan em 2008, quando foi ao ar pela primeira vez a série Breaking Bad, na qual o personagem título do spin-off surgiu.
Mais do que ter ampliado a trama original, Better Call Saul se consagrou por méritos próprios. A produção da Netflix teve suas seis temporadas indicadas ao Emmy de melhor série dramática e faz sucesso também com o público, o que não é comum a esse modelo de seriado — que nem sempre consegue manter a qualidade das produções de origem. Nesse caso, a história de Saul Goodman consegue superar Breaking Bad: no Rotten Tomatoes, tem 98% de aprovação dos críticos, frente a 96% do série de Walter White.
Mas qual o segredo do sucesso? A seguir, GZH reúne os motivos que fizeram Better Call Saul cair no gosto do público e da crítica.
Jornada do anti-herói
O que você faria se tivesse uma máquina do tempo? Tentaria evitar a partida de alguém que ama? Investiria em um negócio de futuro sucesso para ficar bilionário? Ou tentaria reverter o primeiro indício de que você estava se tornando alguém de quem não teria mais orgulho?
Essas perguntas são as que iniciam o último episódio de Better Call Saul e, ao mesmo tempo, dão sentido a toda a série. Espécie de conto moral, a trama conta que o advogado "porta de cadeia" Saul Goodman (Bob Odenkirk) é, na verdade, o ex-defensor público Jimmy McGill, que passou grande parte da vida na sombra do irmão, o bem-sucedido e respeitado advogado Chuck (Michael McKean), conhecido por levar a lei à risca.
Ao contrário do irmão mais velho, porém, Jimmy é malandro. Desde a adolescência, ele é o Slippin' Jimmy (ou Jimmy Sabonete), que não vê problemas em roubar a caixa registradora de mercadinho do pai ou criar emboscadas para enganar "conhecidos" a trocarem dinheiro por relógios Rolex falsos.
Quando a série começa, ele até está tentando seguir em frente com uma vida mais correta — cuida do irmão, ao mesmo tempo em que tenta construir uma carreira honesta, inspirada na dele —, mas não o suficiente para convencer Chuck, que o impede de ser promovido na própria empresa. Vendo que jamais conseguiria se livrar do rótulo, Jimmy decide abraçá-lo de vez. E assim nasce Saul Goodman.
A questão é que a persona Saul consegue blindar Jimmy de sentir culpa, mas não é capaz de apagar sua humanidade. Apesar de ser viciado em sempre sair por cima — como assume nesse último capítulo —, o protagonista não chega a ser um assassino, como é Walter White (Bryan Cranston): ele reconhece que suas escolhas deixaram para trás pessoas amadas e machucaram inocentes. Diante do tribunal que selaria seu destino, ele percebe que, no fim das contas, não sente mais orgulho de si. E aí bate a vontade de ter uma máquina do tempo.
Universo ampliado
Quem assiste Better Call Saul em busca de respostas para questões que ficaram abertas em Breaking Bad certamente sairá satisfeito. Na série lançada em 2015, pudemos rever alguns personagens marcantes, como a recepcionista Francesca Liddy (Tina Parker), o traficante Gus Fring (Giancarlo Esposito) e seu capanga Mike Ehrmantraut (Jonathan Banks).
A história do último é bem desenvolvida na série — ficamos sabendo, por exemplo, as circunstâncias em que seu filho morreu e o que o levou a ser o fiel escudeiro de Fring. Ele também se mostra o elo entre Saul e o mundo do crime, e tem parte importante na construção do superlaboratório de metanfetamina que mais tarde serviria para Walter White e Jesse Pinkman (Aaron Paul) produzirem metanfetamina — e, sim, nós acompanhamos os bastidores do empreendimento secreto.
Além dos personagens, alguns detalhes aparentemente banais em Breaking Bad ganham uma explicação maior em Better Call Saul. Em uma das primeiras vezes em que vemos o advogado na série original, por exemplo, ele está sob a mira de um revólver:
— O Lalo enviou vocês? Não fui eu! Foi o Ignacio! — grita, citando personagens que se revelam determinantes em Better Call Saul.
Kim Wexler
Ao contrário de Lalo e Ignacio, a ex-mulher de Saul, Kim Wexler (Rhea Seehorn), nunca é mencionada em Breaking Bad. Mesmo assim, ela tem grande importância no spin-off, porque é a "parceira de crime" do protagonista.
Assim como todos os personagens do universo de Vince Gilligan, Kim é complexa. Ao longo de sua trajetória, muitas vezes o público se questiona sobre as motivações dela — afinal, a advogada faz trabalhos pro bono ao mesmo tempo em que trama golpes para acabar com a carreira de seu chefe. Mas, no fim, é ela quem não consegue suportar a ideia de ter machucado outras pessoas.
A pena que Kim se autoimpõe é mostrada nos últimos episódios — e explica sua ausência em Breaking Bad. Ela, afinal, não tem a mesma tolerância para a culpa que Saul, mas é a única pessoa capaz de fazer ele perceber as consequências das próprias ações.