Nos últimos três anos, Nicole Kidman tem sido mais reconhecida como uma atriz de TV do que por suas atuações no cinema. A julgar por sua nova empreitada, Nove Desconhecidos, lançamento desta sexta-feira (20) do Amazon Prime Video, a australiana parece preocupada em assumir esse novo formato em sua carreira com uma mesma linha de personagens: mulheres fortes e, o que tem incomodado a audiência, misteriosas.
No seriado de oito episódios, que tem direção de Jonathan Levine (de Casal Improvável) e adapta o romance homônimo de Liane Moriarty, a personagem de Nicole dialoga com seus trabalhos anteriores. A instabilidade de Celeste, sua personagem de Big Little Lies, e a investigativa Grace, em The Undoing, estão impregnadas em Masha, a protagonista de Nove Desconhecidos.
Capaz de falar sete idiomas, ela é uma russa que começou a se dedicar à "limpeza da alma", como ela mesmo define, após ter ficado entre a vida e a morte em um acidente de trânsito. A personalidade de Masha é tão difícil de desvendar que só na metade da temporada é possível decidir se ela é confiável ou não. Se vale ser admirada ou evitada. E, por isso, a série vai fazer o espectador querer ver um episódio atrás do outro.
Mistério
Se não bastasse a personalidade obscura da protagonista, Nove Desconhecidos também consegue construir uma inexplicável tensão ao redor dos outros personagens: os noves pacientes (são eles que dão nome à série) que se reúnem na espécie de spa espiritual que tem Masha como guru.
Desde o primeiro minuto, que acompanha a chegada deles ao local, parece que estamos diante de uma tragédia iminente. O clima piora ao descobrirmos que Masha acompanha todos os movimentos da casa por câmeras — praticamente um Big Brother Brasil terapêutico.
As histórias de vida dos "desconhecidos" também instigam o espectador. A escritora Francis (Melissa McCarthy) está vendo sua carreira de escritora se despedaçar, enquanto o professor Napoleon (Michael Shannon), sua mulher Heather (Asher Keddie) e a filha Zoe (Grace Van Patten) sentem que a estrutura familiar está ruindo. Para completar esta discussão sobre vidas instáveis, há um casal em crise formado pela influencer Jessica (Samara Weaving) e Ben (Melvin Gregg), refletindo sobre os limites das redes sociais.
Ao mesmo tempo, outras pessoas parecem lidar com fatos consumados, como são os casos da recém-divorciada Carmel (Regina Hall), do ex-atleta Tony (Bobby Cannavale) e do jornalista Lars (Luke Evans). Para estes três, a pedra no sapato se refere basicamente ao que vem após o fim de um ciclo e o roteiro consegue se aproximar de problemas bem atuais, como a supressão de emoções e a síndrome do impostor.
No fim, o principal acerto de Nove Desconhecidos é ser lançada no meio da pandemia, quase como um espelho da realidade. O drama dos pacientes para encontrar respostas, com o isolamento em um spa, estabelece um paralelo com aquele espectador que se viu mais reflexivo do que o normal diante dos acontecimentos dessa crise sanitária. A diferença é que seguimos trancados em casa — e, felizmente, não temos uma guru estranha em nosso calcanhar.