De acordo com o último Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado neste ano, o total de desaparecidos no país em 2020 foi de 62.857 pessoas. Uma média de 172 por dia. Deste montante, cerca de 50% não são reencontrados — ou, pelo menos, as famílias não avisam a polícia dos retornos.
Quando se trata de crianças perdidas, entre 10% e 15% jamais reaparecem. Um exemplo desta realidade aconteceu em 27 de dezembro do ano passado, quando Lucas Matheus da Silva, de oito anos, Alexandre da Silva, de 10, e Fernando Henrique Ribeiro Soares, de 11, desapareceram em Belford Roxo, no Rio de Janeiro. Até hoje, os meninos não foram encontrados.
Este tema está sendo levado, agora, para o serviço de streaming HBO Max, que chegou ao país no mês passado. Em 10 episódios, com cerca de 45 minutos cada, a série Os Ausentes, primeira produção nacional na plataforma, chega com essa nobre missão: jogar luz neste trágico cenário, trazendo histórias ficcionais, mas que retratam milhares de casos reais.
Para conseguir abraçar o máximo de casos, dando começo e fim para eles, a série foi concebida para ser procedural, ou seja, a cada episódio de Os Ausentes, uma nova história é contada. Ao mesmo tempo, existe desenvolvimento dos dramas pessoais dos protagonistas, vividos por Erom Cordeiro e Maria Flor, correndo por trás.
Com produção de Mara Lobão e Rodrigo Montenegro e produção executiva de Vanessa Jardim, a série tem direção geral de Caroline Fioratti e direção de Raoni Rodrigues. O projeto foi criado por Maria Carmem Barbosa e Thiago Luciano, que também assina os roteiros ao lado de Renê Belmonte e Bruno Passeri.
Vale lembrar que a produção havia sido rodada em 2019 para estrear no ano passado, no canal pago TNT, mas a pandemia adiou o seu lançamento e isso acabou mudando seu destino: a WarnerMedia, dona da emissora e do serviço de streaming, remanejou a atração para a HBO Max. Todos os episódios serão disponibilizados nesta quinta-feira (22) para a América Latina.
Quando o sistema falha
A trama de Os Ausentes acompanha a rotina de uma agência de investigação, que dá o nome da série, criada para procurar por pessoas desaparecidas quando o poder público não consegue. O escritório é comandado por Raul Fagnani (Cordeiro), ex-delegado que deixa a polícia após o desaparecimento de sua filha, Sofia. O lugar se torna famoso no submundo de São Paulo por receber todo o tipo de cliente, sobretudo aqueles que não podem ou não querem recorrer à polícia.
Enquanto Raul procura pelos desaparecidos dos outros, ele ainda nutre esperança de encontrar Sofia. Mas tudo muda quando Maria Júlia (Maria Flor) chega na Ausentes se dizendo jornalista, mas, na verdade, ela esconde um segredo: o seu pai também está sumido. A dupla improvável, então, embrenha-se na procura por pistas para solucionar os casos que chegam à agência e, também, na busca por pontos finais em seus dramas pessoais.
Durante uma coletiva de imprensa virtual, que reuniu o elenco e a equipe da série, da qual GZH participou, eles contaram sobre os desafios de abordar este tema. Erom Cordeiro reforçou que o caso dos três meninos de Belford Roxo não tomou a proporção que deveria e, apesar deste desaparecimento ter acontecido depois do fim das gravações da série, ela se conecta com episódios como esse.
— Quando alguém não consegue pelo sistema, o desespero faz com que essa pessoa procure pelo Raul. E ele, tendo o caso da filha dele, consegue se conectar com a dor das pessoas. Existe afetividade — contou o protagonista.
Para o criador e roteirista Thiago Luciano, os desaparecimentos reais dão base para que a série tenha incontáveis temporadas:
— Infelizmente, os casos nunca acabam. Esse tema sempre me pegava muito pesado. Como que uma pessoa que perdeu alguém consegue viver com um ponto de interrogação gigante nas costas? É complexo, é triste. Muitas vezes, enquanto escrevia os episódios, pegava-me chorando. A série, então, é um abraço aos menos favorecidos — explicou.
Produção grandiosa
São Paulo é um personagem à parte em Os Ausentes, que explora vários pontos pouco vistos da megalópole em produções audiovisuais. Assim, consegue trabalhar, com eficiência, a questão: "como encontrar alguém desaparecido no meio dos 12 milhões de habitantes da cidade?". Para isso, a equipe da série utilizou cem locações, com mais de cem atores, mil figurantes e 700 horas de gravação.
De acordo com a diretora-geral Caroline Fioratti, cada história foi contada a partir de um espaço da cidade e, para isso, o maior trabalho da equipe foi trazer unidade para o seriado, uma vez que o fluxo de atores foi enorme. Mas a liga para conseguir construir essa trajetória foram as histórias:
— A alma da série são os personagens, que formam uma família. Eles procuram um lugar no mundo e acabam encontrando na agência Ausentes. Para construir o show, foi um processo longo, com anos de trabalho e finalização a distância, por conta da pandemia. Mas o resultado final ficou incrível. É possível ir do riso ao choro no mesmo episódio.
De acordo com Maria Flor, que vive uma das protagonistas, a produção aborda um tema pesado e, para ela, tudo foi muito real, fazendo com que se envolvesse com aquelas histórias. Ela acredita que as locações foram essenciais para tornar tudo mais concreto, mas, também, exaltou o trabalho feito por Caroline e a potência das mulheres em séries de ação.
— Ter uma mulher fazendo esse tipo de série é um enorme acerto. Traz uma humanidade que é muito diferente. Séries como essa geralmente são dirigidas por homens, mas temos essa diretora-geral que é uma mulher e essa é uma série sobre conflitos humanos, mas ela também tem humor, ação. Quem assistir até o final não vai se decepcionar — enfatiza a atriz.