Há um rei britânico na sátira política dos Estados Unidos, que atende pelo nome John Oliver. Aos 43 anos, o comediante retorna para a oitava temporada de Last Week Tonight na próxima segunda-feira (15), às 23h30min, na HBO e HBO Go, após conquistar o quinto Emmy consecutivo na categoria de Variety Talk Series em 2020.
Um empreendimento singular, Last Week Tonight desafia qualquer definição simplista: por meia hora a cada semana, Oliver se dedica a longos segmentos em que destrincha até as notícias mais complexas do mundo, com completo rigor jornalístico e sem abrir mão da comédia, abraçando as piadas mais infames sobre qualquer assunto.
Dos riscos da tecnologia de reconhecimento facial até a segregação dos uigures na China, não há tema sério demais para deixar de ser comicamente desconstruído no programa. Em um segmento de 18 minutos na última temporada, por exemplo, o comediante mergulhou na crise do sistema postal norte-americano (USPS, na sigla em inglês).
— Nossa história principal nesta noite é sobre o Serviço Postal dos Estados Unidos — começa o apresentador, ainda sério. — A organização que teria entregue um cartão de Dia das Mães hoje se você não tivesse esquecido de enviar um, como um ingrato saco de merda.
Daí para frente, Oliver combina vídeos de TikTok e de gatinhos com preocupações sérias em relação ao serviço, como a insegurança de trabalhadores da linha de frente dos correios em meio à pandemia e o risco de que a organização quebre ou seja extinta pelo governo. Ele conta a história do USPS, narra sua importância para o país e revela as ações políticas que estão levando o serviço à falência. E ainda deixa claro que há soluções a longo prazo possíveis para reverter a situação, como a criação de um banco postal ou boa vontade do Congresso em rever algumas legislações.
Antes de se despedir do público, contudo, em uma das marcas registradas de Last Week Tonight, Oliver tenta trazer alguma solução prática em que o público possa se engajar imediatamente. Nesta edição, ele apresenta uma série especial de selos feita pelo programa, cuja arrecadação vai ser doada à organização.
— Você pode comprar folhas inteiras destes selos pelo próximo mês, e eu realmente o encorajo a fazer isso. Eles são perfeitos para enviar cartões e ajudar o USPS nesta hora de necessidade, enquanto dizem ao mesmo tempo "Eu gosto de Last Week Tonight" e "Me desculpa por esquecer o Dia das Mães". Que você esqueceu, seu pedaço de merda.
Publicado em maio do último ano, o vídeo soma mais de 7,5 milhões de visualizações no YouTube. Já o faturamento com a venda dos selos ultrapassou US$ 4 milhões, segundo o Business Wire.
Daily Show
Antes de comandar as noites de domingo na HBO norte-americana, John Oliver já era um ícone da sátira nos EUA por seu trabalho durante sete anos e meio como correspondente no Daily Show with Jon Stewart. É o programa que tornou este formato, que combina notícias com comédia, mainstream, ao mesmo tempo que introduziu ao mundo talentos como Steve Carell, Stephen Colbert, Ed Helms, Samantha Bee e Hasan Minhaj.
Fenômeno de audiência e crítica, com mais de uma dezena de Emmys conquistados por Stewart, o Daily Show foi uma clara influência para Oliver ao criar Last Week Tonight, que conseguiu elevar a ideia original ao substituir o formato diário por um semanal. Assim, suas histórias tendem a ter muito mais aprofundamento (e longevidade) que qualquer episódio do programa do Comedy Central – que segue no ar, agora sob o comando de Trevor Noah.
E o reconhecimento dessa superioridade parece partir até do antigo mestre. Stewart, que decidiu abdicar de sua cadeira no Daily Show em 2015 e permaneceu longe das câmeras pelos últimos cinco anos (ele lançou o filme Irresistível no meio tempo), vai retornar às telas em um formato bastante similar ao consagrado por Oliver. Em uma nova série da Apple TV+, o comediante "vai explorar tópicos que atualmente fazem parte da conversa nacional", em episódios de uma hora de duração voltados a um único assunto.
Além de uma concorrência maior, há outro fantasma rondando os corredores deste mundo da comédia: será possível manter o mesmo nível de produção sem as eternas tolices de Trump no poder, que renderam uma infinidade de piadas? A pergunta ofende Oliver, como ele comentou em entrevista ao Late Night with Seth Meyers:
— É frustrante quando as pessoas dizem que deve ter sido fácil e divertido acompanhar Donald Trump. É basicamente como dizer aos residentes da Elm Street: "Você vai sentir falta de Freddy Krueger, não vai? Com o que você vai sonhar agora?" — declarou, citando A Hora do Pesadelo. E ele mesmo respondeu: — Eu não sei! Literalmente, qualquer outra coisa!
Depois de uma destruição cinematográfica de 2020 no episódio final da sétima temporada de Last Week Tonight, o comediante parece, de fato, pronto para deixar o ex-presidente no passado. Hoje é sobre vingança, Oliver avisou na ocasião, mas amanhã será sobre soluções.