Conhecidas por suas músicas que exaltam a diversidade — das agruras às doçuras —, Jup do Bairro e Linn da Quebrada decidiram, neste ano, quebrar outros paradigmas. Desde junho, as artistas comandam o TransMissão, talk show do Canal Brasil lançado para marcar o mês do Orgulho LGBT+.
As cantoras trans levaram para a televisão brasileira temas que, até então, eram apenas pincelados ou pautados pela factualidade. A busca pela sua própria identidade, a diversidade sexual, social e racial, os direitos da população, o respeito e a igualidade são alguns dos pontos tocados por Jup e Linn, juntamente com o conhecimento de convidados de peso.
Na primeira temporada, as artistas receberam no estúdio, que mais parece de rádio, com um cenário retrô e microfones de mesa, nomes como a cantora Glória Groove, Erica Malunguinho, a primeira deputada trans eleita em São Paulo, e Liam Matos, homem trans e ativista da causa.
Em entrevista a GaúchaZH, Jup do Bairro exaltou a presença do talk show na televisão brasileira, o que, para ela, abre caminho para criar novos imaginários e novas possibilidades. Confira o papo com a cantora:
Como surgiu a ideia do TransMissão? Era um projeto antigo de vocês (ou de alguma de vocês)?
Na verdade, o projeto nasceu depois de um levantamento que fizeram em uma das exibições do filme Bixa Travesty em Berlim. Uma espectadora que estava presente perguntou onde poderia assistir ou ouvir o programa de rádio que Linn e eu “apresentávamos” e que está presente no documentário. Isso deixou os diretores Kiko Goifman e Claudia Priscilla excitados e curiosos com essa possibilidade e levaram a ideia até o Canal Brasil, o que casou com o fim de Transando com Laerte, dirigido pelos mesmos. Ajustamos tudo, gravamos e agora está no ar.
Qual foi o critério de escolha dos entrevistados?
Nós tivemos a liberdade total de escolher os convidados e todas as sugestões passaram pelo nosso crivo. A ideia é que saíssemos do lugar que sempre nos colocam para falar: gênero, raça, sexualidade... Assuntos que ainda se fazem muito importantes, mas que são óbvios. Qualquer pessoa pode falar sobre qualquer coisa. Gastronomia, política, geografia, biologia, tecnologia. Tudo. É importante, inclusive, reconhecer que não sabemos de tudo. Isso gera diálogo e o diálogo pode ser um dos agentes sociais mais transformadores. Conversando conseguimos criar organizações, imaginários.
Até o momento, qual entrevista te marcou?
Todas as entrevistas foram muito importantes e potentes. Com o programa, nós propomos criação de pensamento conjunto. Então era muito lindo e generoso ver como nossos convidados e convidadas se sentiam à vontade com a gente, revelando segredos de suas vidas privadas, curiosidades profissionais. Foi lindo! Difícil escolher, foram todos tão diferentes, com sensações diferentes.
Vocês opinaram na ideia do cenário do programa? Por que uma mesa, vocês lado a lado, e objetos de música e microfones retrô?
O cenário ficou por conta de Evelyn Mab, por quem também temos muito carinho e proximidade. A ideia é justamente ser uma rádio, um lugar em que podíamos falar sobre o que quiséssemos e “não seríamos vistas”, algo mais íntimo. E nos conhecendo, a Evelyn foi acrescentando coisas que ela achava que combinava conosco, elementos importantes pra nossa trajetória e objetos em forma de protesto.
Como falar de forma mais descontraída sobre questões de gênero, sexo e raça, sendo que a gente ainda vive em um país que mais mata LGBTs no mundo?
Quando estamos caminhando para uma sociedade com avanços e conquistas em prol da diversidade, a repressão caminha junto.
JUP DO BAIRRO
Cantora e apresentadora
É importante sinalizar os corpos que são assassinados. O Brasil é o país que mais mata pessoas trans e travestis, e o que mais consome pornografia dessa população. O maior número de mortes no Brasil são de pessoas negras, um povo que significa mais de 51% da população nacional. Boa parte dessas mortes está em periferias e extremos de suas cidades. É muito importante usar marcadores geográficos, de raça e gênero para identificarmos que corpos estão tendo suas trajetórias interrompidas. Pois a expectativa de vida de um homem, gay, branco e de classe média é diferente de uma pessoa trans e negra na periferia. Sinalizar essas mortes é muito importante para sabermos as formas e táticas de luta. Todas as formas de falar sobre isso é de extrema urgência. Pessoas didáticas, práticas, cômicas, artistas, ou não. Aprendemos a hackear espaços por necessidade, para tratar doenças coletivas.
O quanto esse projeto é importante para a televisão brasileira? E para vocês, pessoalmente falando?
Acho difícil separar as importâncias, pois acredito que tanto para a gente quanto para a comunicação é muito importante que exista nossos corpos na televisão, protagonizando, criando novos imaginários, novas possibilidades. E não só na TV, como também em outros meios de comunicação, de produção de conteúdo, nas grandes empresas.
O que vocês estão achando das polêmicas envolvendo o governo federal, entre elas a suspensão do edital que previa incentivos para séries sobre diversidade para a televisão brasileira?
Eu acredito que a evolução e retrocesso andam juntos, quando estamos caminhando para uma sociedade com avanços e conquistas em prol da diversidade, a repressão caminha junto. Por medo de perder seus privilégios e acessos? Receios ainda mais retroativos? Não sei exatamente. Mas sei que vivemos em um país sem memória e que cada vez mais quer voltar aos primórdios e reflexos de um passado manipulador, que exclui e segrega. A década de 70 foi boa pra quem? Ah.
TransMissão vai continuar?
Ainda não sabemos, mas estamos na expectativa! Libera a segunda temporada, chefe.